quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Desconstruindo mitos sobre a Sabesp e a falta d'água em São Paulo


Três mitos sobre a Sabesp e a seca em São Paulo

Muitas falhas podem ser atribuídas à Sabesp, a estatal de saneamento de São Paulo. Mas entre acusações justas há equívocos que exalam pura ignorância econômica. Vejo muita gente dizer, por exemplo, que a seca em São Paulo se agravou porque a Sabesp, ao vender parte de suas ações na Bolsa, “passou a seguir a lógica do mercado”, “maximizando lucros e reduzindo investimentos”, para “privilegiar acionistas em detrimento do interesse público”. Há nesse raciocínio pelo menos três equívocos graúdos.
Mito 1: “Seguindo a lógica do mercado, a Sabesp reduziu investimentos”
Se a lógica do mercado levasse empresas a reduzir investimentos e privilegiar o lucro dos acionistas, o mundo viveria uma escassez generalizada. Enfrentaríamos falta de Coca-Cola, pois a empresa teria transferido dividendos a acionistas em vez de construir novas fábricas. Supermercados seriam lugares tristes repletos de prateleiras vazias, porque a Nestlé, a Ambev, Unilever e os produtores de frutas e verduras embolsariam lucros em vez de investir o necessário para atender o aumento da demanda.
É verdade que investir em novas tubulações para evitar vazamentos não é tão rentável quanto uma nova fábrica de refrigerantes. No entanto, pela lógica da “maximização de lucros” no longo prazo, a pior coisa que pode acontecer a uma empresa é não ter o que oferecer aos consumidores, como é o caso da Sabesp hoje em dia. A melhor é crescer e conquistar mercados. Por isso previsões de demanda, aquisições, estudos de ampliação e análises do “capex” (o capital destinado a investimentos) são parte do dia a dia de empresas que buscam lucro.
Quem acompanha o mercado financeiro sabe que toda a semana o preço de ações cai porque empresas anunciam projetos e aquisições. Como investimentos geralmente significam menos lucros ou dividendos nos meses seguintes, acionistas interessados no gráfico de curto prazo se livram dos papéis. Isso aconteceu recentemente com ações do Facebook, da Intel, da Microsoft, da Vale, da Lenovo, da Tim, entre muitas outras. O preço da ação costuma se reerguer depois de algumas semanas. Os acionistas mais ligados ao longo prazo entendem que, se a empresa está investindo, terá melhores fundamentos no futuro.
Mito 2: “A Sabesp enriqueceu os acionistas”
Só existe um motivo para uma empresa evitar investimentos e privilegiar os acionistas: se o principal acionista for o próprio governo. No caso de empresas estatais, uma distribuição maior de dividendos resulta em caixa mais gordo aos políticos no poder. E o que político gosta de fazer é gastar dinheiro o mais rápido possível. Diferente de donos de empresas, políticos têm um objetivo de curto prazo: a próxima eleição. Poucos resistem à tentação de sacrificar o futuro de estatais ou das contas públicas para gastar em obras ou propaganda.
Foi esse o caso da Sabesp? Se a empresa não sofreu da lógica do mercado, teria sido vítima da lógica da política? Difícil dizer. Segundo esta reportagem da Exame, a Sabesp é uma das empresas de saneamento que mais pagam dividendos no mundo. O governo de São Paulo, dono de 50,3% das ações, é o maior beneficiário desses repasses. No entanto, entre 2008 e 2013, de acordo com a consultoria Economática, a Sabesp ficou em 28º lugar entre as 30 maiores pagadoras de dividendos do Brasil. O retorno médio aos acionistas foi de 4,9%. É uma boa média, mas bem inferior à Eletropaulo (23%) ou estatais administradas pelo governo federal, como o Banco do Brasil (6,9%). Sem contar o rendimento das ações, que depende da sorte, os acionistas da Sabesp ganharam de dividendos menos do que se tivessem investido na poupança. “A Sabesp é uma boa pagadora de dividendos, mas não é um caso excepcional”, me disse Gianmarcelo Germani, da MoneyMark. “Outras estatais, como a Copel ou a Cemig, pagam dividendos muito superiores.”
Mito 3: “Distribuir dividendos vai contra o interesse público”
Se você tem uma empresa e precisa de dinheiro para ampliar o negócio, é geralmente mais barato lançar ações na Bolsa que emprestar no banco. De um dia para o outro, investidores jogam milhões de reais na sua mão. Em troca, esperam uma remuneração anual que, segundo a lei, precisa ser no mínimo 25% dos lucros que você conseguir. As empresas costumam pagar um pouco mais do que manda a lei, para ficar em paz com os acionistas e poder captar mais dinheiro da próxima vez que precisarem.
Se o governo paulista quisesse manter a Sabesp 100% estatal e se recusasse a vender ações, teria que emprestar do BNDES ou de bancos internacionais, ou bancar do próprio bolso investimentos para a ampliação de represas e da rede de abastecimento. Isso significa tirar dinheiro de hospitais e escolas para colocar numa empresa que poderia andar com as próprias pernas. Diversas estatais de saneamento dão prejuízo no Brasil: o rombo que elas causam acaba sendo pago com o imposto dos cidadãos.
É tentador imaginar um acionista milionário nadando no dinheiro enquanto o povo morre de sede, mas isso não passa de ficção marxista. Se a empresa é bem administrada, a participação de investidores provoca melhoria e ampliação de serviços. 
Repito: não acho a Sabesp um exemplo de empresa. Na verdade considero uma tremenda loucura legar a uma estatal algo tão importante quanto o abastecimento de água. Acredito que água potável só será abundante quando arranjarmos um jeito de haver concorrência nesse setor, pois monopólios legais (públicos ou privados) sempre vão decepcionar. O que me faz defender a Sabesp neste texto é somente a falta de noção de algumas acusações.
Fonte: Veja, por Leandro Narloch, Caçador de Mitos, 27/01/2015

0 comentários:

Postar um comentário

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites