8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Google promove encontro de tecnologia para mulheres em São Paulo

Google promove encontro de tecnologia para mulheres em São Paulo

O Google realizará em seu escritório em São Paulo, no dia 14 de março, um encontro para que mulheres do setor de tecnologia possam trocar experiências e recursos. O evento faz parte do programa global Women Techmakers.

O encontro celebra o Dia Internacional da Mulher, que acontece um pouco antes, no dia 8 de março. Ele foi organizado com o mote “Conectar.Criar.Celebrar.” e oferecerá uma grade de conteúdo que incentiva as participantes a criar e explorar as possibilidades oferecidas pela tecnologia.

As apresentações tratarão de temas como desenvolvimento e design. Também será realizado um laboratório de programação para o Android Wear, o sistema operacional para relógios inteligentes do Google.

As palestras também mostrarão iniciativas da empresa para integração entre as mulheres da área e como incentivar uma participação maior do sexo feminino no mercado de tecnologia.

As inscrições para o evento se encerram no dia 27 de fevereiro. Interessadas podem preencher o cadastro clicando neste link

Fonte: Olhar Digital, 24/02/2015

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Capitalismo I: opressor ou libertador das mulheres?

Nesses tempos em que se culpa o capitalismo por tudo que há de um ruim, como se o capitalismo fosse um homem mau que sai por aí sacaneando os frascos e comprimidos, ler uma perspectiva diferente sobre o assunto é no mínimo uma atitude saudável. Primeiro, porque o que a esquerda chama de capitalismo, de fato economia de mercado, somos todos nós e não uma entidade apartada de nós que vive por aí praticando explorações várias. Todos nós que produzimos e consumimos somos o capitalismo. Não reconhecer este fato é uma boa maneira de tentar se eximir das responsabilidades pessoais sobre os rumos do mundo em que vivemos.

Segundo, que o estabelecimento de uma relação intrínseca entre grupos oprimidos e o capitalismo tem mais a ver com uma abordagem ideológica do que com a realidade dos fatos. Basta lembrar como foram os períodos históricos anteriores aos últimos 200 anos para se constatar que há algo de errado com essa visão do capitalismo como o maior vilão de todos os tempos. Pelo contrário, observa-se que a situação da maioria das pessoas era bem pior antes dele.

Apesar disso, atualmente boa parte dos movimentos sociais relaciona suas lutas específicas, por exemplo, pelos direitos das mulheres, com uma certa luta anticapitalista que, sinceramente, não sei do que se trata. Então, a fim de apresentar uma visão oposta a essa, publico esta semana dois textos que abordam a relação do capitalismo (economia de mercado) com a luta das mulheres por seus direitos humanos e de cidadania. O primeiro texto - abaixo - é do Rodrigo da Silva e foi publicado no BrasilPost.

Adianto que, na minha opinião, quem libertou as mulheres foram elas próprias e não o capitalismo ou qualquer outro sistema político-econômico já tentado, como o socialismo. Tanto em um quanto no outro, o poder de estado e o poder financeiro sempre estiveram em mãos masculinas, portanto, não dá pra falar que qualquer um deles tenha libertado as mulheres. Entretanto, podemos dizer com segurança que as sociedades abertas produzidas pelo liberalismo econômico e político foram realmente propícias ao desenvolvimento da luta das mulheres por seus direitos.


Como o capitalismo libertou as mulheres

Nunca foi uma tarefa fácil desempenhar o papel de mulher - mas é possível afirmar, sem medo de cometer qualquer equívoco, que essa era uma tarefa muito pior antes do advento do capitalismo. Nos acostumamos a debater a questão de gênero no mundo moderno ignorando o quão incomparavelmente opressivo foi o passado feminino. Por séculos, a natureza das mulheres foi um mero apetrecho submisso ao universo dos homens.

Nesse cenário, o sexo sempre foi um tabu violento. Mary Wood-Allen, uma das lideranças do movimento de Temperança, que antecedeu a Lei Seca nos Estados Unidos no século dezenove, garantia a suas jovens leitoras, através do influente What a Young Woman Ought to Know (O que uma moça deve saber), que era permitido ter intimidades sexuais dentro do casamento - contanto que o ato fosse realizado sem o menor resquício de desejos sexuais. Para evitá-los, em geral, as mulheres eram orientadas a abandonar passatempos mundanos como jogar cartas e ler romances. Os romances eram sempre os principais culpados por estimular pensamentos impuros.

E se em casa o opressão era fiel companheira da vida sexual feminina, fora dela era quase inimaginável. Em 1856, uma jovem dona de casa de vinte e quatro anos, de uma família tradicional de Boston, casada com um homem muito mais velho, confessou em lágrimas ao seu médico, Dr. Horatio Storer, que não raramente se encontrava, de forma involuntária, pensando em outros homens que não o marido. O médico lhe receitou uma série de medidas emergenciais, incluindo banhos frios e uma lavagem completa de suas partes íntimas com borato de sódio, além da eliminação de todos os estímulos, inclusive alimentos condimentados e romances. Storer apresentou o caso para a Boston Society for Medical Observation, argumentando veementemente que "se ela continuasse em seus atos de indulgência provavelmente se tornaria necessário mandá-la para um asilo".

A subordinação das mulheres refletia-se também na literatura. Em A Megera Domada, de Shakespeare, uma personagem feminina dá uma lição para outras mulheres sobre a ordem natural:
Teu marido é teu senhor, teu guardião, tua vida, teu chefe e soberano. É ele que cuida de ti; para manter-te, arrisca a vida, com trabalho penoso em mar e em terra; nas noites borrascosas, acordado; de dia, suportando o frio, enquanto dormes em casa no teu leito quente, tranquila e bem segura. Não te pede outro tributo além de teu afeto, mui sincera obediência e rosto alegre, paga mesquinha de tão grande dívida. A submissão que o servo deve ao príncipe é a que a mulher ao seu marido deve."
Quase três séculos após Shakesperare dominar os palcos britânicos, o cenário permaneceria irretocável. Para o crítico de arte britânico John Ruskin as mulheres deveriam ser educadas apenas para servir aos seus maridos, e não mais que isso. Ruskin escreveu em seu ensaio Of Queen's Garden, publicado em 1865:
Até onde ela governa, tudo deve estar certo, ou nada está. Ela deve ser paciente, incorruptível; instintivamente e infalivelmente sábia - sábia, e não para seu auto-desenvolvimento, mas para a auto-renúncia: sábia, não para fixar-se acima de seu marido, mas para nunca falhar ao seu lado."


Este é o exemplo típico do que as pessoas pensavam sobre as mulheres. A mulher era um não-ser e a única coisa que se esperava de sua existência era casar-se e ter filhos - especialmente no Reino Unido, onde, em 1861, o censo apontava para uma falta de quase meio milhão de homens. No século dezenove, o divórcio raramente era um artifício permitido às mulheres. Para obtê-lo na Inglaterra, por exemplo, um homem só precisaria mostrar que a esposa havia lhe traído. Uma mulher, porém, teria que provar que seu companheiro havia agravado a infidelidade mantendo relações com animais, cometendo incesto ou alguma outra transgressão bizarra e imperdoável. Até 1857, uma mulher divorciada tinha de abrir mão de todos os seus bens, e em geral perdia também a guarda dos filhos. Antes da Married Property Act, de 1882, quando uma mulher se casava, sua riqueza era passada ao companheiro - e se trabalhasse depois de casada, não era incomum que seus ganhos continuassem nas mãos do marido. Perante a lei, uma mulher não tinha direito algum - não poderia usufruir de plena liberdade de expressão, possuir propriedade, assinar documentos legais ou obter uma educação contra a vontade do marido. Como o jurista William Blackstone afirmou, no final do século dezoito, "pelo casamento, o marido e a esposa tornam-se uma única pessoa de direito; isto é, a existência da natureza legal da mulher é suspensa, ou pelo menos é constituída e consolidada na do marido". Em certos casos, a mulher não possuía responsabilidade legal individual sequer por crimes que cometesse.

Antes do advento das revoluções que transformariam o mundo num lugar absolutamente diferente de tudo aquilo que já havia sido, era realmente difícil ser mulher - especialmente porque o respeito às normas morais quase sempre lhes negava atendimento médico apropriado. Ao longo dos séculos, o sangue menstrual era visto com desconfiança e médicos procuravam evitar operações durante esse período. Mesmo já no século dezenove, médicos não eram autorizados sequer a chegar perto das partes íntimas de suas pacientes (o ginecologista James Platt White foi expulso da Associação Médica Americana por permitir que seus alunos observassem Mary Watson, uma mulher de 26 anos, dar à luz, ainda que com a permissão dela). A ignorância em relação à anatomia feminina era quase medieval. Isso, obviamente, trazia graves consequências, já que era humanamente impossível para um médico realizar exames de forma adequada. Como regra, se uma mulher fosse acometida por alguma dor abaixo da linha do pescoço deveria apontá-la para a área afetada num manequim. Em 1878, a ignorância era tamanha que o British Medical Journal ainda era capaz de se questionar sobre a possibilidade de uma mulher tocar um presunto e estragá-lo por estar menstruada. No fim de 1892, como Judith Flanders relata em Inside the Victorian Home: A Portrait of Domestic Life in Victorian England, um inglês levou sua esposa, que tinha se tornado míope no início da meia-idade, a um oculista, apenas para ser informado de que o problema dela tinha origem em seus órgãos sexuais (e nos desejos libidinosos que a obrigavam a deteriorar seus olhos). A única maneira de restaurar sua visão foi realizando uma completa retirada de seu útero.

Porém, uma lenta e gloriosa revolução, sem precedentes na história da humanidade, ajudou a alterar os rumos do jogo. Graças às reformas liberais, a circulação de jornais na Europa aumentou oito vezes entre 1712 e 1757. Em 1771, as principais publicações britânicas obtiveram permissão para relatar de forma pública os debates no Parlamento. O que isso tudo indicava? Que a instrução finalmente estava se popularizando. Entre 1786 e 1790, no norte da França, 44% das mulheres já sabiam escrever o nome, indicando um salto de alfabetização para números jamais vistos. Não obstante, a Revolução Industrial foi um resultado direto dessa revolução silenciosa - criou e foi cria da instrução que se espalhava por todo velho continente, originando-se da sinergia entre produção e educação. Sem as máquinas que permitiram a popularização de manuais de alfabetização, e sem o comércio dos livros, livrar-se da ignorância certamente não passaria de um sonho utópico para o Ocidente. Como relata o americano Steven Roger Fischer em História da Leitura:
Os livros transformaram-se em produtos de distribuição em massa. Subia a renda e, com isso, cada vez mais livros eram comprados e lidos. A leitura proliferava em toda parte. Se no passado a maioria das casas possuía apenas um ou dois exemplares religiosos, agora quase toda casa tinha Bíblia, dicionário, semanário, diversos romances e muitos livros escolares. Médicos e advogados mantinham, e exibiam com proeminência, bibliotecas profissionais essenciais para o exercício da profissão."

Em toda Europa, graças ao surgimento da Revolução Industrial e de suas máquinas de impressão, mulheres podiam finalmente tirar proveito da distribuição literária, algo antes inteiramente controlado por eruditos e religiosos. Envoltas numa escuridão de ignorância, elas começaram a exigir o acesso ao conhecimento de todo tipo através dos livros, fazendo dessa época o apogeu de títulos como "Maneiras rápidas de..." e "Instruções práticas para...". Com o advento da moda, o segmento religioso, que durante séculos havia sido praticamente o único tema disponível para a literatura feminina, deu lugar aos guias de etiqueta. Algo mágico havia acontecido. Practical instruction in gardening for ladies (Instruções Práticas de jardinagem para senhoras), publicado em 1841 pela britânica Jane Loudon, foi a primeira obra, de qualquer natureza, a incentivar as mulheres a literalmente saírem do universo entediante de seus quartos em seus momentos de folga. Seu estilo direto, como conta Bill Bryson, pegou a um ponto que quase chegava ao erotismo. Gardening for ladies insistia bravamente que as mulheres podiam fazer jardinagem sem qualquer supervisão masculina. Era uma aventura excitante, de liberdade e desprendimento, ainda que no próprio quintal de suas casas. A obra permaneceu em catálogo, reeditada inúmeras vezes, até o fim do século. E as mulheres, felizmente, não se contentariam apenas com os limites de suas residências.

Mas o capitalismo não daria apenas instrução para as mulheres. Nos Estados Unidos, elas foram a principal força de trabalho nos primeiros cinquenta anos da Revolução Industrial (em Lancaster, Massachusetts, 88% dos operários fabris eram mulheres em 1818). Na maior parte do país, os homens trabalhavam na terra - onde a força física era uma necessidade primordial. Nas fábricas, as mulheres testemunharam um processo radical: um pagamento semanal com base em uma escala de hora em hora. Algo inédito na agricultura, que permitiu que elas recebessem, em média, o dobro do que ganhavam no trabalho agrícola.

Muito se fala sobre os abusos sofridos por mulheres e crianças na Revolução Industrial, mas usualmente se esquece que as condições no período que a antecedeu eram consideravelmente piores. A maior parte das famílias vivia miseravelmente, contando com as migalhas que caíssem das mesas das castas privilegiadas. Na Inglaterra, milhares de homens e mulheres infestavam o país na mendicância e na prostituição. Em 1851, uma em cada três moças de Londres, jovens entre 15 e 25 anos, se compunha de prostitutas; outra terça parte eram criadas. Não havia muita escolha. O número total de criados na capital britânica era maior que o da população total de todas as cidades inglesas, se descontarmos as seis maiores. E ser criado estava longe de ser uma profissão gratificante. Jenny Uglow, em sua A Little History of British Gardening, conta a história de uma propriedade onde, quando a família estava presente, os jardineiros eram obrigados a se afastar no mínimo um quilômetro e meio para não se tornarem presença irritante no campo visual dos proprietários. Numa mansão em Suffolk, no leste da Inglaterra, os criados eram obrigados a colar o rosto na parede quando alguém da família passava. O trabalho nas fábricas representava um salto para as mulheres, uma ascensão social e econômica sem precedentes.

Na segunda metade do século dezenove, houve uma rápida transformação na incipiente indústria americana. A porcentagem total de mulheres operárias havia diminuído como uma flecha - influenciado pela leva de imigrantes -, criando mudanças sociais que as levariam para os cargos mais bem pagos e para os novos campos de trabalho em ebulição no país. Na indústria de algodão entre 1850 e 1905, o percentual de mulheres caiu de 64% para 47% - apesar disso, as mulheres ainda dominavam os dois trabalhos têxteis mais lucrativos: a tecelagem e as máquinas de fiar. O declínio das mulheres no emprego industrial também refletiu no aumento das oportunidades longe das fábricas. Depois de 1850, o número de professoras, em Massachusetts, por exemplo, foi o dobro dos homens. Em 1900, as mulheres estavam presentes em 195 das 303 classificações de emprego enumeradas pelo censo - algo inédito no Ocidente. Na Europa, como o próprio Engels testemunhara em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, citando o discurso de Lorde Ashley na Câmara dos Comuns, em 1844, um pai repreendeu as duas filhas porque elas tinham ido a um pub e foi duramente retrucado - "Vai para o diabo! Nós é que te sustentamos". Fartas de serem mandadas por um homem, decidiram ir embora de casa. Nada parecido havia acontecido em séculos.

Não por acaso, o século dezenove assistiu à formação das primeiras correntes feministas. Após um período de tempo inenarrável, pela primeira vez, as mulheres conheceram a possibilidade histórica de pensar sua condição, não mais do ponto de vista biológico, mas como fruto de uma situação social imposta. A Revolução Industrial ofereceu um novo elemento ao universo feminino, imprescindível para que as mulheres deixassem de cumprir o papel de seres de segunda classe - a liberdade de escolha. Agora, pela primeira vez, elas tinham a possibilidade de prover o próprio sustento, sem depender de qualquer outra pessoa. A revolução econômica, que beneficiaria as mulheres mais do que nenhuma outra classe durante o período, se transformaria no motor para a revolução social que lentamente se levantava. Como afirma a feminista canadense Wendy McElroy:
Quando as mulheres deixaram os campos em busca de emprego e educação, elas se tornaram uma força social que não mais podia ser negada. Consequentemente, os direitos das mulheres avançaram extraordinariamente durante o final do século dezenove, algo que não teria ocorrido não fosse a Revolução Industrial."
Mesmo com abusos, nenhum outro período histórico empoderou mais vulneráveis do que o advento do capitalismo no século dezenove. Através dele, as mulheres conquistaram os primeiros sinais de independência em sua longa trajetória pelo Ocidente - como classe econômica em ascensão foram às escolas e às universidades, montaram seus próprios negócios, escreveram seus livros, ganharam o mundo, tornaram suas pautas possíveis - não sem muito sangue e suor.

Se as mulheres operárias ajudaram a libertar o capitalismo das amarras da aristocracia, o capitalismo tornou possível libertar as mulheres da escuridão.

Fonte: Brasil Post, 12/02/2015, por Rodrigo da Silva

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Meritocracia sim e contra as desigualdades sociais


Vim de uma família pobre de migrantes nordestinos que saíram de suas terras natais para tentar melhorar de vida no sul maravilha. Conseguiram seu intento com muito esforço e determinação. Não foi se locupletando em algum órgão estatal, indicados por algum cumpañero de partido, que obtiveram sua ascensão social. Então, eu creio na meritocracia que, sendo verdadeira, não faz vista grossa às desigualdades sociais. Pelo contrário, busca promover a igualdade de oportunidades entre todos, proporcionando ao menos uma largada comum a cidadãs e cidadãos de uma determinada sociedade.

Não acho coincidência que o ataque à meritocracia se dê nesses tempos obscuros de governos do PT. Petistas e outros esquerdistas em geral se colocam abertamente contra a meritocracia. Pelo que temos visto do desempenho desse pessoal, o negócio é ascender socialmente na base do compadrismo e do comadrismo e não da avaliação por mérito. Não importa se o cumpañero/a tenha qualificação para determinado posto. O que interessa é fazer parte do clube dos amiguinhos e, na base da política do favor, do toma-lá-dá-cá, ir avançando na vida. Não interessa se a/o aluna/o estudou ou não. Tem que passar de ano de qualquer forma porque o que importa não é o mérito e sim o "diproma".

Convivi com petistas durante anos em diferentes movimentos sociais, e suas relações são sempre de compadrio. Aliás, parece que, quanto mais medíocres e desonestos forem seus quadros e todos que os cercam, melhor. De fato, são contra a meritocracia porque defendem a mediocracia. Portanto, se queremos um futuro para o Brasil, precisamos defender sim a meritocracia contra a mediocracia de petistas e assemelhados.

Por isso, reproduzo o texto do Guy Franco sobre o tema meritocracia. Não concordo com tudo que diz. Acho que faltou explorar melhor algumas frases, mas, no conjunto, abordou bem o tema. Destaco:
A competência está fora de moda. 
Defender a meritocracia não quer dizer que não se reconheça os níveis desiguais de onde cada pessoa começa a vida (a classe social, cor da pele, sexo, etc), mas apenas o reconhecimento de que é um meio possível e justo (não o único, nem o mais fácil) de ascender socialmente. 
Defender a meritocracia e combater a desigualdade não são coisas excludentes. 
...Ricardo Paes de Barros, formado pela escola de Chicago, e que foi líder de um grupo de economistas liberais responsável pela concepção técnica do Bolsa Família. As ideias liberais, no entanto, foram malhadas pela esquerda. Quem se lembra da resistência do PT na época? A proposta de focalização de combate à pobreza era tida como uma ameaça “neoliberal” e foi bastante hostilizada pelo partido. Hoje, o PT tenta apagar o passado liberal, as raízes chicaguistas por trás do projeto. Ao tentar apagar o nome das mentes responsáveis por trás do Bolsa Família (inclusive tirando o nome de Ricardo Paes de Barros, o pai do projeto, de sites do governo), fica fácil afirmar o que quiser e desdenhar de liberais.

 A quem interessa desdenhar da meritocracia?


Nunca vi a sociedade tão mobilizada para tripudiar da meritocracia. Hoje, não só os membros de movimentos sindicais levantam cartazes na rua contra o sistema, qualquer jovem barbudo com um canal no youtube faz o mesmo - e em plena luz do dia. Dão chiliques, relincham, fazem cara de tuberculose quando ouvem a palavra meritocracia. Pega bem desdenhar da besta. A competência está fora de moda.

Os opositores, me parece, reagem sem ver as gradações da questão. Não é possível que não concordem que recompensar uma pessoa pela eficiência seja um incentivo para o bom trabalho. Também nunca ouvi falar de alguém que recusou um aumento de salário porque considerava injusto receber mais pelos próprios méritos.

Reconhecer e promover os melhores profissionais é fundamental. Que se discuta os critérios de avaliação, mas o mérito é importante. Nada mais natural do que recompensá-lo. Não há vergonha nenhuma em defender isso.

Os opositores falam de exclusão, de “darwinismo social”. Há um fator ausente aí: ainda que a meritocracia seja excludente, impugnando a mediocridade, a sociedade como um todo não se beneficiaria de hospitais e escolas cujos médicos e professores fossem os mais capacitados? Por que seria diferente com as outras profissões?

Defender a meritocracia não quer dizer que não se reconheça os níveis desiguais de onde cada pessoa começa a vida (a classe social, cor da pele, sexo, etc), mas apenas o reconhecimento de que é um meio possível e justo (não o único, nem o mais fácil) de ascender socialmente.

Defender a meritocracia e combater a desigualdade não são coisas excludentes. E ainda que a meritocracia perpetue uma desigualdade, esta será um efeito colateral positivo, pois será baseada no mérito e não na arbitrariedade.

E aqui vou usar uma frase de Eduardo Giannetti: “A questão crucial é: a desigualdade observada reflete essencialmente os talentos, esforços e valores diferenciados dos indivíduos ou, ao contrário, ela resulta de um jogo viciado na origem, de uma profunda falta de equidade nas condições iniciais de vida, da privação de direitos elementares e/ou discriminação racial, sexual ou religiosa?”

O vizinho de blog Flávio Moura comentou sobre o silêncio dos liberais em relação a um artigo da The Economist que mostra como os mais ricos costumam ser os mais beneficiados pela meritocracia. Na verdade, essa é uma questão que tem ocupado os liberais há muito tempo. Queria reabilitar aqui um trecho de Hayek:
“…se uma invenção acidental se torna extremamente útil para os demais, o fato de que tenha pouco mérito não a torna menos valiosa do que se tivesse resultado de grande sacrifício pessoal.”
Há muito tempo que os liberais reconhecem que o mérito não é apenas resultado de grande esforço. E há muito tempo que estudam soluções de política pública para consertar eventuais desigualdades e diminuir a pobreza. Basta ler Milton Friedman - o liberal dos liberais - que encontrará nele as raízes do Bolsa Família e do Prouni, por exemplo.

“Meritocracia para quem, cara-pálida? 
Nossos liberais mereciam estudar um pouco mais.”

Os nossos liberais estudaram. Um deles é Ricardo Paes de Barros, formado pela escola de Chicago, e que foi líder de um grupo de economistas liberais responsável pela concepção técnica do Bolsa Família. As ideias liberais, no entanto, foram malhadas pela esquerda. Quem se lembra da resistência do PT na época? A proposta de focalização de combate à pobreza era tida como uma ameaça “neoliberal” e foi bastante hostilizada pelo partido. Hoje, o PT tenta apagar o passado liberal, as raízes chicaguistas por trás do projeto. Ao tentar apagar o nome das mentes responsáveis por trás do Bolsa Família (inclusive tirando o nome de Ricardo Paes de Barros, o pai do projeto, de sites do governo), fica fácil afirmar o que quiser e desdenhar de liberais.

A nossa esquerda merecia estudar um pouco mais os liberais.

Fonte: Yahoo Notícias, Blog do Guy Franco, 14/02/2015

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Brasil em risco de confronto popular como a Venezuela?

Juan Arias
O Brasil corre o risco de sofrer um confronto popular?
Analistas começam a se preocupar com a possibilidade de que o país entre num círculo de conflito que o deixe parecido com a Argentina ou Venezuela

O Brasil, em vez de se dividir, sempre se uniu no passado para defender as grandes batalhas democráticas. Foi assim nas manifestações de massa das “Diretas Já”, para pedir a volta do direito ao voto popular, e quando, juntos, os brasileiros saíram às ruas, vestidos de preto, para exigir o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. O país nunca teve comichão pelo confronto popular.

O Carnaval deste ano está sendo outra prova desse gosto dos brasileiros pela aglomeração na rua, tanto nos momentos de dor quanto nos de alegria e prazer. Milhões de pessoas de todas as classes sociais, de Norte a Sul do país, desfilaram pacificamente em milhares de blocos de todas as idades e ideias políticas para se divertir em paz.

Mas pela primeira vez os analistas começam a se preocupar com a possibilidade de que o país entre, por motivos políticos e para reagir à corrupção e à crise econômica e de desencanto com a política, num círculo de confronto popular que pode deixá-lo mais parecido com a Argentina ou com a Venezuela que com sua própria história.

No Brasil começam a ressoar dois gritos preocupantes: o de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, recém-eleita nas urnas, e o de uma possível guerra civil, não sangrenta, mas de consequências difíceis de medir, em que os cidadãos poderiam acabar se enfrentando nas ruas, pela primeira vez não unidos em defesa de uma causa comum, mas com ruídos de “guerra”.

Já foi explicado pelos especialistas em direito que o pedido de impeachment não é nenhum golpe contra a democracia, já que está previsto na Constituição e pode ser solicitado por qualquer cidadão que acredite que haja motivos para isso.

Difícil saber o eco popular que poderão ter as manifestações convocadas em caráter nacional para 15 de março, para pedir a saída do Governo da presidenta Dilma Rousseff. O que é indiscutível é que, diante da corrupção e da crise econômica, cresce o descontentamento popular, até nas pessoas menos favorecidas, as da classe C, que até ontem eram o fiel baluarte do governo do PT e hoje começam a se distanciar dele, como se depreende da última pesquisa do Datafolha.

Depor de seu cargo um presidente, ainda que isso carregue sempre um certo drama, supõe passar pelos procedimentos jurídicos previstos na Constituição, com severo controle pelo Congresso: o impeachment precisa ter dois terços dos votos na Câmara e no Senado.

Tal pedido, inclusive bradado nas ruas pelos brasileiros descontentes com o governo, como um dia fez o PT ao pedir, na oposição, a saída do então presidente Fernando Henrique Cardoso, não deveria ser motivo de preocupação em termos democráticos.

O que hoje começa a dar medo é que algumas forças políticas, tentadas pelo demônio da perpetuação no poder a qualquer preço, em vez de buscar meios de sair da crise, possam acabar dividindo o país, como já acontece na Argentina e na Venezuela, com impulsos, como naqueles países, de amordaçar a informação livre.

Um pedido de impeachment pressupõe um exercício democrático, no qual os eleitores acreditem que o governante vitorioso e democraticamente eleito nas urnas tenha se tornado indigno de continuar no poder. Nada mais.

Ao contrário, um confronto que dividisse o país em dois grupos irreconciliáveis, já sem distinguir quem fosse governo ou oposição, poderia criar a tentação à violência, que não se sabe ao que poderia levar.

Esse tipo de confronto civil, que torna irreconciliáveis as duas partes em conflito e acaba dividindo salomonicamente um país, dificulta desde seu nascimento qualquer solução democrática, porque em vez de diálogo e racionalidade, reina a paixão, cultivada mais com o fígado que com o cérebro.

Nada pior neste momento, por exemplo, que uma parte do partido do Governo querer empurrar as ruas usando seus sindicatos e movimento sociais contra as medidas de austeridades defendidas por seu próprio Governo para tirar o país da crise.

A reação do Governo frente a um pedido de impeachment da presidenta Rousseff deve ser apresentar fatos que mostrem que não há motivo para isso. Tudo, é claro, à luz do Sol, aceitando os resultados das legítimas investigações, sem tentar domesticá-las nem manipulá-las.

Sempre se disse que é a verdade que nos torna livres. E são os fatos, revelados por meio das instituições livres do Estado, nesse caso das forças policiais e dos tribunais de Justiça, os melhores defensores da legalidade.

Todo o resto, como os fatos “tenebrosos” insinuados pelo juiz Sergio Moro na operação Lava Jato, praticados com a expectativa de impunidade nas sombras dos esgotos do submundo do poder, são o melhor caldo de cultura para que se forme no país um clima de dissimulada violência e divisão dos cidadãos.

Seria o pior dos remédios para que o Brasil saísse da crise econômica e política que vive.

A força do Brasil, invejada em vários continentes pelos países que sofrem com a tentação de rasgos nacionalistas ou ideológicos, sempre foi sua unidade nacional, apesar de suas imensas diferenças geográficas e culturais.

Querer hoje ignorar os novos ventos da busca por formas mais participativas do poder para perpetuar a velha política patrimonialista poderia acabar esgarçando um país que sempre se orgulhou de sua união.

Melhor, em caso extremo, um impeachment, se necessário e constitucional, que qualquer outra tentação antidemocrática, mesmo que possa ser disfarçada como defesa dos direitos dos mais pobres.

A verdadeira democracia exige que até aos mais necessitados e indefesos seja dada a liberdade de escolher como e por quem querem ser defendidos, porque a História ensina o quão perigosa é a força desses excluídos quando descobrem que estão sendo enganados ou manipulados pelos malabarismos do poder.

Fonte: El País, por Juan Arias, 17/02/2015

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Precisamos conversar sobre o aborto: grávida apoia descriminação do aborto em solidariedade às mulheres que abortam


Grávida apoia descriminalização do aborto em rede social e gera debate sobre o tema

‘Estou ao lado dos direitos reprodutivos das mulheres. Jamais vou usar minha gestação contra mulheres que abortam’

RIO - Uma grávida que se manifestou a favor da descriminalização do aborto numa rede social está provocando um enorme debate sobre o tema na web. Gaabriela Moura, que está grávida pela segunda vez, escreveu, nesta terça-feira, um texto de apoio às mulheres que optam por terminar a gravidez. Seu manifesto - parte de uma campanha que tem mobilizado gestantes em torno do assunto nos últimos dias - tem quase 22 mil “curtidas” e cinco mil compartilhamentos.
Estou ao lado dos direitos reprodutivos das mulheres. Eu sou totalmente favorável à descriminalização do aborto, ao respeito às mulheres e suas escolhas e seus corpos. Sou inteiramente solidária às minhas irmãs que são massacradas, estupradas, culpabilizadas por suas gestações, culpabilizadas pela interrupção destas gestações. (...) Mulheres casadas abortam, cristãs abortam, prostitutas abortam, mulheres de mais de 40 anos, mulheres de menos idade abortam, e eu jamais vou usar a minha gestação contra elas”, escreveu a jovem na rede social.
Enquanto uma parte dos internautas aplaude a iniciativa, muitas pessoas com uma visão oposta à dela estão atacando Gaabriela em sua página pessoal, deixando claro o poder de polarização do assunto. Os comentários ofensivos estão sendo devidamente apagados pela dona do perfil, mas a futura mãe de segunda viagem tem mantido os comentários contrários à sua visão que não ferem sua dignidade ou de outras mulheres. A publicação, por isso, acabou virando um espaço para debate para a questão do aborto. Já são mais de 800 comentários em seu post.

Confira, abaixo, o texto completo de Gaabriela:
Eu passei pela experiência de engravidar duas vezes. A primeira não foi planejada, a segunda, sim. Ambas foram muitíssimo desejadas e apoiadas, parceiro, familiar, financeiro, todas as nossas questões nos satisfaziam, estávamos (e estamos, afinal, estou gestando ainda) muitíssimo felizes, empenhados e preparados física e, sobretudo, emocionalmente. 
As minhas gestações são as minhas gestações, jamais poderia embasar decisões de mulheres, essas que suas histórias não conheço, essas que seus desejos não conheço, essas que suas dores e delícias não conheço, por minhas experiências felizes na gestação e maternidade. 
Estou ao lado dos direitos reprodutivos das mulheres. Eu sou TOTALMENTE favorável à descriminalização do aborto, ao respeito às mulheres e suas escolhas e seus corpos. Sou inteiramente solidária às minhas irmãs que são massacradas, estupradas, culpabilizadas por suas gestações, culpabilizadas pela interrupção destas gestações, caso tenham esses filhos, sofram violência obstétrica, sejam culpabilizadas por péssimas condições físicas e emocionais, rechaçadas no trabalho, crucificadas nos meios conservadores e, muitas vezes, sobretudo se forem negras e pobres, mortas sangrando na mão de um sistema cruel, ao coro de comemorações, em um Estado que tem por dever ser LAICO, ou seja, não deve embasar suas políticas públicas em aspectos religiosos. 
Mulheres casadas abortam, cristãs abortam, prostitutas abortam, mulheres de mais de 40 anos, mulheres de menos idade abortam e eu jamais vou usar a minha gestação contra elas. 
Solidariedade às minhas irmãs mulheres”.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

As falácias do falo, exemplo de texto escrito por homem sobre mulheres sem ser mimizento

As falácias do falo
A exemplo do que disse em meu texto de segunda, Misandria: uma grande zoeira e o sempre renovado ataque à autonomia das mulheres, há homens que tentam desconstruir em si mesmos os condicionamentos machistas que receberam em vez de querer dizer a feministas o que o feminismo é ou não.

Idade não é documento, mas talvez a geração mais jovem de homens também esteja, como a das mulheres, mais propensa a questionar a (des)educação que recebeu desde o berço. O jovem que escreveu o texto abaixo, pelo menos nele, demonstra mais consciência do machismo do que muitas mulheres que conheço. Prova de que há esperanças para a humanidade.

Destaco algumas frases do artigo que vão ao encontro do que comentei sobre homens antipatriarcais. 
Ao decidir escrever esse texto, concluí que precisava ter uma dose razoável de humildade e outra de honestidade intelectual. Eu desejo que esse texto seja lido como o mais feminista possível para algo elaborado por um homem...
Essa minha preocupação também guiou a estrutura do texto: em vez de dizer "o feminismo é isso ou aquilo", vou focar meus esforços em desconstruir aquilo que podemos chamar de falácias do falo, ou seja, argumentos machistas que muitas vezes são naturalizados por nós e não são percebidos como a opressão que realmente são.
É comum dizerem que uma mulher reagiu "histericamente" em relação a alguma cantada de rua. Por outro lado, é raro chamarem um marido abusivo, violento, de irracional. Isso ilustra bem como as palavras podem ser usadas de forma a discriminar.
Por outro lado, as mulheres sempre foram ensinadas a competirem entre si para atraírem a atenção de algum pretendente. A falácia ignora que existiram numerosas instituições ou agremiações exclusivamente femininas, marcadas por fortes laços de solidariedade, no decorrer da história. A mulher não é dissimulada ou traiçoeira. Ela foi forçada, socialmente, a agir assim em relação às suas iguais.

As falácias do falo

por Daniel Murata

Estava faz tempo decidindo se escreveria ou não esse texto. Escrever sobre a luta das mulheres contra a opressão do machismo não é tarefa fácil. Em especial, se você é um homem tentando escrever sobre isso, pode incorrer em - no mínimo - uma grave miopia em relação às diversas formas de opressão que existem na sociedade.

Ao decidir escrever esse texto, concluí que precisava ter uma dose razoável de humildade e outra de honestidade intelectual. Eu desejo que esse texto seja lido como o mais feminista possível para algo elaborado por um homem, uma vez que há sempre a dúvida se é possível ao homem compreender de fato a extensão da opressão contra a mulher.

Essa minha preocupação também guiou a estrutura do texto: em vez de dizer "o feminismo é isso ou aquilo", vou focar meus esforços em desconstruir aquilo que podemos chamar de falácias do falo, ou seja, argumentos machistas que muitas vezes são naturalizados por nós e não são percebidos como a opressão que realmente são. Vamos então ver algumas dessas falácias.

Falácia nº1: "A mulher deve se dar ao respeito". Essa falácia é de longe uma das mais famosas. Esse argumento simplesmente não especifica o que é "se dar ao respeito" e nem por que motivo só mulheres devem fazer isso. No fundo, trata-se de mera discriminação disfarçada. Por que uma mulher ir à balada e ficar com quem ela bem entender é "não se dar ao respeito", enquanto para os homens isso é motivo de orgulho? Por acaso os homens tem mais direitos sexuais que as mulheres apenas porque são homens? Por que mulheres deveriam se vestir com recato, enquanto homens andam sem camisa e sem problemas?

Rebater essa primeira falácia nos leva a uma pergunta central: qual é - efetivamente - o mérito em ser homem ou mulher? Nascer com um sexo ou outro é tão somente uma questão de probabilidade. Se assim o é, não há mérito em ser de um sexo específico. Não há forma de se defender direitos de um gênero e não de outro sem ser injusto e arbitrário. Ser homem não é mérito algum, o mero fato de sê-lo não fundamenta direitos adicionais. Isso significa dizer, trocando em míudos, que não é a mulher que deve se dar ao respeito, mas o homem que deve respeitar a vontade da mulher, que pode tanto quanto ele.

"Pequena" ressalva: a mulher - por causa da biologia reprodutiva - acaba se valendo de direitos que não fazem sentido ao homem, ao menos não ao homem cisgênero. Direito à gestação e parto de qualidade e dignos e direito à amamentação são dois exemplos. Esses direitos fazem sentido para as mulheres porque integram sua dignidade enquanto seres humanos de igual valor a todos e cada um de nós. Expulsar uma mulher de um restaurante por ela ter amamentado em público é tão absurdo quanto expulsar um homem por ele ter um pênis.

Falácia nº2: "A mulher é naturalmente mais irracional que o homem". Essa costuma fazer dobradinha, em discussões, com frases do tipo "você está exagerando" ou "você é louca". Esse argumento tem dois pontos falhos. Primeiramente, a ideia de alguém ser "naturalmente" mais que outra pessoa. Isso é dar de barato que mulheres tem uma menor capacidade cognitiva que homens, algo que está longe de ser realidade.

O segundo ponto falho é a própria ideia de irracionalidade. Definir algo como racional é algo complexo, e usualmente usado como forma de discriminar entre entes superiores ou inferiores. A ideia de racionalidade é maleável, e no caso dessa falácia, é utilizada para dizer que determinadas formas de reação a xingamentos ou agressões são irracionais e outras não. É comum dizerem que uma mulher reagiu "histericamente" em relação a alguma cantada de rua. Por outro lado, é raro chamarem um marido abusivo, violento, de irracional. Isso ilustra bem como as palavras podem ser usadas de forma a discriminar.

Falácia nº3: "a mulher é dissimulada e traiçoeira, o homem é mais íntegro". O erro dessa falácia é parecido com o da anterior. Aqui, ocorre a naturalização de uma situação contingente. O que isso significa: historicamente, nossa sociedade sempre induziu homens a serem fraternais entre si. A ideia de "irmãos de armas" até hoje exerce fascínio sobre as pessoas. Por outro lado, as mulheres sempre foram ensinadas a competirem entre si para atraírem a atenção de algum pretendente. A falácia ignora que existiram numerosas instituições ou agremiações exclusivamente femininas, marcadas por fortes laços de solidariedade, no decorrer da história. A mulher não é dissimulada ou traiçoeira. Ela foi forçada, socialmente, a agir assim em relação às suas iguais.

Falácia nº4: "mulher que não se depila é anti-higiênica ou porca". Qual foi a última vez que você, leitor homem, depilou suas axilas ou seus genitais?
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PS: Agradeço minha colega e amiga, Bárbara Simão, pela leitura do texto e comentários valiosos. É sempre difícil para alguém com vocação para abstrações, como eu, escrever um texto sobre problemas muito reais enfrentados por pessoas no dia-a-dia.

Fonte: Brasil Post, 05/02/2015

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Desconstruindo mitos sobre a Sabesp e a falta d'água em São Paulo


Três mitos sobre a Sabesp e a seca em São Paulo

Muitas falhas podem ser atribuídas à Sabesp, a estatal de saneamento de São Paulo. Mas entre acusações justas há equívocos que exalam pura ignorância econômica. Vejo muita gente dizer, por exemplo, que a seca em São Paulo se agravou porque a Sabesp, ao vender parte de suas ações na Bolsa, “passou a seguir a lógica do mercado”, “maximizando lucros e reduzindo investimentos”, para “privilegiar acionistas em detrimento do interesse público”. Há nesse raciocínio pelo menos três equívocos graúdos.
Mito 1: “Seguindo a lógica do mercado, a Sabesp reduziu investimentos”
Se a lógica do mercado levasse empresas a reduzir investimentos e privilegiar o lucro dos acionistas, o mundo viveria uma escassez generalizada. Enfrentaríamos falta de Coca-Cola, pois a empresa teria transferido dividendos a acionistas em vez de construir novas fábricas. Supermercados seriam lugares tristes repletos de prateleiras vazias, porque a Nestlé, a Ambev, Unilever e os produtores de frutas e verduras embolsariam lucros em vez de investir o necessário para atender o aumento da demanda.
É verdade que investir em novas tubulações para evitar vazamentos não é tão rentável quanto uma nova fábrica de refrigerantes. No entanto, pela lógica da “maximização de lucros” no longo prazo, a pior coisa que pode acontecer a uma empresa é não ter o que oferecer aos consumidores, como é o caso da Sabesp hoje em dia. A melhor é crescer e conquistar mercados. Por isso previsões de demanda, aquisições, estudos de ampliação e análises do “capex” (o capital destinado a investimentos) são parte do dia a dia de empresas que buscam lucro.
Quem acompanha o mercado financeiro sabe que toda a semana o preço de ações cai porque empresas anunciam projetos e aquisições. Como investimentos geralmente significam menos lucros ou dividendos nos meses seguintes, acionistas interessados no gráfico de curto prazo se livram dos papéis. Isso aconteceu recentemente com ações do Facebook, da Intel, da Microsoft, da Vale, da Lenovo, da Tim, entre muitas outras. O preço da ação costuma se reerguer depois de algumas semanas. Os acionistas mais ligados ao longo prazo entendem que, se a empresa está investindo, terá melhores fundamentos no futuro.
Mito 2: “A Sabesp enriqueceu os acionistas”
Só existe um motivo para uma empresa evitar investimentos e privilegiar os acionistas: se o principal acionista for o próprio governo. No caso de empresas estatais, uma distribuição maior de dividendos resulta em caixa mais gordo aos políticos no poder. E o que político gosta de fazer é gastar dinheiro o mais rápido possível. Diferente de donos de empresas, políticos têm um objetivo de curto prazo: a próxima eleição. Poucos resistem à tentação de sacrificar o futuro de estatais ou das contas públicas para gastar em obras ou propaganda.
Foi esse o caso da Sabesp? Se a empresa não sofreu da lógica do mercado, teria sido vítima da lógica da política? Difícil dizer. Segundo esta reportagem da Exame, a Sabesp é uma das empresas de saneamento que mais pagam dividendos no mundo. O governo de São Paulo, dono de 50,3% das ações, é o maior beneficiário desses repasses. No entanto, entre 2008 e 2013, de acordo com a consultoria Economática, a Sabesp ficou em 28º lugar entre as 30 maiores pagadoras de dividendos do Brasil. O retorno médio aos acionistas foi de 4,9%. É uma boa média, mas bem inferior à Eletropaulo (23%) ou estatais administradas pelo governo federal, como o Banco do Brasil (6,9%). Sem contar o rendimento das ações, que depende da sorte, os acionistas da Sabesp ganharam de dividendos menos do que se tivessem investido na poupança. “A Sabesp é uma boa pagadora de dividendos, mas não é um caso excepcional”, me disse Gianmarcelo Germani, da MoneyMark. “Outras estatais, como a Copel ou a Cemig, pagam dividendos muito superiores.”
Mito 3: “Distribuir dividendos vai contra o interesse público”
Se você tem uma empresa e precisa de dinheiro para ampliar o negócio, é geralmente mais barato lançar ações na Bolsa que emprestar no banco. De um dia para o outro, investidores jogam milhões de reais na sua mão. Em troca, esperam uma remuneração anual que, segundo a lei, precisa ser no mínimo 25% dos lucros que você conseguir. As empresas costumam pagar um pouco mais do que manda a lei, para ficar em paz com os acionistas e poder captar mais dinheiro da próxima vez que precisarem.
Se o governo paulista quisesse manter a Sabesp 100% estatal e se recusasse a vender ações, teria que emprestar do BNDES ou de bancos internacionais, ou bancar do próprio bolso investimentos para a ampliação de represas e da rede de abastecimento. Isso significa tirar dinheiro de hospitais e escolas para colocar numa empresa que poderia andar com as próprias pernas. Diversas estatais de saneamento dão prejuízo no Brasil: o rombo que elas causam acaba sendo pago com o imposto dos cidadãos.
É tentador imaginar um acionista milionário nadando no dinheiro enquanto o povo morre de sede, mas isso não passa de ficção marxista. Se a empresa é bem administrada, a participação de investidores provoca melhoria e ampliação de serviços. 
Repito: não acho a Sabesp um exemplo de empresa. Na verdade considero uma tremenda loucura legar a uma estatal algo tão importante quanto o abastecimento de água. Acredito que água potável só será abundante quando arranjarmos um jeito de haver concorrência nesse setor, pois monopólios legais (públicos ou privados) sempre vão decepcionar. O que me faz defender a Sabesp neste texto é somente a falta de noção de algumas acusações.
Fonte: Veja, por Leandro Narloch, Caçador de Mitos, 27/01/2015

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

70% das mulheres sofrem algum tipo de agressão durante suas vidas cometida por homens

Uma mulher aterrorizada é conduzida por um soldado nos arredores de Bangui,
capital da República Centro-Africana. / 
JEROME DELAY (AP)
O macho, arma de destruição em massa
A violência e as guerras sempre estiveram dominadas por um viés de gênero. 70% das mulheres sofrem algum tipo de agressão durante a sua vida

por José Ignacio Torreblanca 

Uma das notícias mais alvissareiras de 2014 é a abertura de negociações com o regime iraniano em torno do seu programa nuclear. Com razão, a comunidade internacional se preocupa com a proliferação dessas armas, daí que, de forma excepcional, no outro lado da mesa encontremos EUA, Rússia, China e a União Europeia atuando unidos. Mas, apesar da incrível capacidade de destruição dessas armas, há quem sustente que elas não têm tanto de excepcional; são, dizem, nada mais que muitas toneladas de explosivos juntas. Não lhes falta um pouco de razão: o genocídio mais importante da história, cometido contra o povo judeu, não exigiu armas nucleares, como tampouco foram necessários mais do que algumas dezenas de milhares de facões de fabricação chinesa para liquidar os 800.000 tutsis que faleceram no genocídio ruandês. As aproximadamente 135.000 vítimas de Hiroshima desafiam nossa compreensão, mas o mesmo vale também para os quase 300.000 mortos na batalha de Verdun. A crua realidade é que, desde a noite dos tempos, o ser humano mostrou uma incrível capacidade de matar, de fazê-lo em massa e sustentadamente, e para isso se valeu de qualquer coisa ao seu alcance: um facão, uma AK-47, explosivos convencionais ou bombas atômicas.

Os maiores genocídios da história não precisaram de mísseis

Fonte: INE / EL PAÍS
Um momento: “o ser humano”? Não exatamente. Na prática, a totalidade de todas essas mortes tem em comum um fato tão relevante como invisível no debate público: que foram homens que os cometeram. A história militar não deixa lugar a nenhuma dúvida: os Exércitos sempre foram formados por homens, os quais foram os executores quase exclusivos desse tipo de violência, e suas principais vítimas. É verdade que guerrilhas e grupos terroristas historicamente incluíram mulheres, às vezes muito sanguinárias (na Espanha, por desgraça, conhecemos o fenômeno), mas a violência bélica nas mãos das mulheres foi uma gota em um oceano. O resultado, apesar de conhecido, não é por isso menos trágico: só no século XX, as vítimas desses conflitos desencadeados e executados por homens custaram a vida de entre 136 e 148 milhões de pessoas.

Podemos proibir as bombas, mas por trás delas sempre há um homem

Dir-se-á que as guerras são coisas do passado, típicas de sociedades pré-democráticas. Mas como explicar então o viés de gênero que domina a violência em nossas sociedades? Não falamos de sociedades atávicas, mas sim de sociedades ocidentais, democracias plenas onde, como nos Estados Unidos, as estatísticas nos indicam que 90% de todos os homicídios cometidos entre 1980 e 2005 foram de autoria masculina, ao passo que apenas 10% tiveram mulheres como responsáveis. De todos esses homicídios, um pouco mais de dois terços (68%) foram cometidos por homens contra homens, enquanto em um quinto deles (21%) um homem matou uma mulher. Embora haja, de fato, mulheres que matam homens, esses crimes representaram apenas 10% de todos os homicídios, ao passo que, significativamente, o percentual de mulheres que mataram outras mulheres foi ridículo (2,2%). Assim, portanto, as mulheres não matam mulheres, só homens, e em grande parte em legítima defesa. Claro que os EUA são uma sociedade mais violenta do que outras, mas os dados da Espanha, Reino Unido ou outros países de nosso entorno não são muito diferentes: reveladoramente, a população penitenciária espanhola está composta em 90% por homens e em 10% por mulheres. Assim como na guerra, o homicídio e, em geral, o crime parecem ser fenômenos quase puramente masculinos.

Os estupros são o capítulo mais vergonhoso dos conflitos bélicos

Os efeitos de uma cultura patriarcal dominada por homens são tão demolidores que dá a impressão de que se trava no mundo uma guerra (invisível, porém guerra) de homens contra mulheres. Segundo as Nações Unidas, 70% das mulheres experimentaram alguma forma de violência ao longo de sua vida, sendo uma em cada cinco do tipo sexual. Incrivelmente, as mulheres entre 15 e 44 anos têm mais probabilidade de serem atacadas por seu cônjuge ou violentadas sexualmente do que de sofrerem de câncer ou se envolverem em um acidente de trânsito. Na Espanha e em outros países europeus, quase metade das mulheres vítimas de homicídios tiveram seus cônjuges como algozes, frente a 7% de homens, o que significa que a probabilidade de uma mulher morrer nas mãos do parceiro é seis vezes superior à de um homem com relação à parceira.

Fonte: Departamento de Justiça de EUA. / EL PAÍS
A violência sexual contra as mulheres é onipresente e constitui um dos capítulos mais vergonhosos, e mais silenciados, da história dos conflitos bélicos. Isso apesar das evidências de que essa violência não só foi consentida como também estimulada como arma de guerra. Segundo Keith Lowe, autor do livro Continente Selvagem, a Segunda Guerra Mundial bateu todos os recordes de violência sexual, especialmente contra as mulheres alemãs, à medida que o Exército soviético entrava na Alemanha (calcula-se que 2 milhões delas foram estupradas como consequência de uma política de vingança sexual deliberada). Hoje em dia, a ONU estima em 200.000 os estupros ocorridos na República Democrática do Congo, uma cifra similar à oferecida para Ruanda. Longe da África, no coração da Europa educada, o estupro também foi uma arma de guerra interétnica no conflito da antiga Iugoslávia, onde se estima que entre 20.000 e 50.000 mulheres tenham sido sexualmente violentadas. A isso se soma uma longa lista de crimes que só as diferenças de gênero podem explicar, os quais incluem o aborto seletivo de meninas, os crimes de honra, o tráfico de mulheres com fins de exploração sexual e a mutilação sexual, que afeta 130 milhões de mulheres. Nem é preciso entrar nas sutilezas da discriminação política, econômica e social, um fato em si muito revelador da subordinação generalizada da mulher: o nível de violência física contra as mulheres no mundo já diz tudo. Alguns descrevem a violência exercida contra as mulheres em decorrência apenas no seu gênero como “feminofobia”. Por que esse termo não nos soa familiar, nem qualquer outro semelhante?

Reconheçamos: os homens são a maior arma de destruição em massa que a história da humanidade já viu, e há 3,5 bilhões deles à solta por aí. Podemos proibir as armas grandes, as armas pequenas, as minas terrestres, as bombas de fósforo ou de fragmentação, as armas bacteriológicas, químicas e nucleares, mas no final estaremos sempre no mesmo lugar: por trás de cada arma haverá um homem. Por isso as Nações Unidas adotaram várias iniciativas de alcance mundial, recorrendo para tanto ao próprio Conselho de Segurança, que, em sua Resolução 1.325 de 31 de outubro de 2000, tornou visível pela primeira vez a necessidade de uma proteção explícita e diferenciada às mulheres e meninas em cenários de conflito, assim como a contribuição fundamental que as mulheres fazem e devem fazer no que tange à resolução de conflitos e a construção da paz.

Existem muitas explicações possíveis, e complexas, sobre esses fatos. Tampouco são fáceis as respostas que devemos dar, e muito menos as medidas a adotar. Mas os fatos estão aí, e são incontestáveis: os homens matam e se matam, muito, e exercem muita violência contra as mulheres. Entretanto, o debate público sobre esse fato é inexistente. Antes que repostas, esse debate exige perguntas, na verdade uma só pergunta: seriam os homens uma arma de destruição em massa?

*José Ignacio Torreblanca é professor de Ciência Política na Universidade Nacional de Educação a Distância. Dirige o escritório em Madri do Conselho Europeu de Relações Exteriores e é autor de diversos livros.

Fonte: El País, 26/01/2015

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