quarta-feira, 21 de maio de 2014

Toda a igualdade vale a pena?

O debate sobre o conceito de igualdade, entre os seres humanos, é sempre motivo de polêmica e confusões. Alguns sustentam que deveria existir apenas a igualdade perante a lei, importante mas não suficiente para promover justiça a todos, já que não há igualdade social. Em outras palavras, condições sociais adversas criam grandes dificuldades para que a maioria das pessoas possa desenvolver realmente seu potencial como indivíduos. E inclusive vir a ter tratamento igualitário, não preconceituoso, perante a lei.

Propõe-se então a igualdade de oportunidades que alguns encaram como sinônimo de igualdade de resultados. Dependendo da abordagem, elas podem mesmo acabar sendo confundidas. Entretanto, quem haverá de se opor à educação universal, básica de qualidade para toda a população como uma forma de garantir um mínimo de igualdade de largada para todos?  E a saúde básica de qualidade? E a segurança mínima para todos?

E temos, por fim, a chamada igualdade de resultados, visão de boa parte da esquerda, que acha que todos devem ser iguais ipsis litteris à revelia da mãe natureza que nos faz muito diversos. Quer dizer, a não ser que se comece a produzir seres humanos em linhas de montagem, como latinhas de refrigerante, todos com o mesmo conteúdo e mesmo invólucro, a tal igualdade de resultados é contra-natura.

A natureza não distribui nada igualitariamente: nem a inteligência, nem o talento, nem a criatividade, nem a beleza, nem a personalidade, nem o temperamento, etc. Nada é ofertado para todos da mesma maneira. Bem pelo contrário, a natureza costuma ser bem arbitrária. Fora todas as outras variantes individuais que podem determinar a trajetória de uma pessoa durante a vida. Então, uma parte das diferenças econômicas que vemos, entre os seres humanos, é fruto do input de origem e não das injustiças sociais. Reconhecer essa verdade é um bom caminho para se combater injustiças sem criar outras nessa afã.

É sobre isso que discorre o texto abaixo, postado originalmente no site do Mises Brasil.

A igualdade econômica é imoral e atenta contra o “bem comum” 

por Lawrence W. Reed

"Pessoas livres não são iguais, e pessoas iguais não são livres".

Gostaria muito de saber quem foi a primeira pessoa a proferir essa máxima. Ela certamente está entre as maiores verdades de todos os tempos, uma que é ao mesmo tempo simples e repleta de profundos significados.

A igualdade perante a lei — por exemplo, ser julgado inocente ou culpado baseando-se exclusivamente em você ter cometido o crime, e não em sua cor, gênero ou crença — é um ideal nobre ao qual nenhuma pessoa de bom senso se opõe. Por isso, não é o tema deste artigo. A "igualdade" a que a frase acima se refere está relacionada à renda econômica e à riqueza material.

Colocando de outra maneira, portanto, a frase pode ser lida da seguinte forma: "Pessoas livres terão rendas distintas. Em arranjos nos quais as pessoas têm obrigatoriamente a mesma renda, elas não podem ser livres".

A igualdade econômica em uma sociedade livre é uma miragem com a qual os redistributivistas sonham — e frequentemente se mostraram muito dispostos a derramar sangue para implantá-la.

A questão é que indivíduos livres são indivíduos intrinsecamente diferentes entre si, de modo que não deveria ser surpresa nenhuma o fato de que eles terão rendas distintas. Nossos talentos e nossas capacidades não são idênticos. Nem todos nós trabalhamos com o mesmo afinco, com a mesma dedicação e com a mesma qualidade. Cada um de nós nasceu em famílias distintas, sendo que cada família possui suas vantagens e suas desvantagens. Também nascemos em diferentes vizinhanças, somos cercados por diferentes tipos de pessoas, recebemos diferentes tipos incentivos e temos diferentes graus de oportunidade.

É até compreensível que, perante esse ponto de partida desigual, os progressistas queiram remediar a situação implantando políticas governamentais "corretivas". O que eles realmente não entendem é que a cura que eles propõem é muito pior do que doença. Qualquer tentativa de corrigir desequilíbrios nas famílias e nas vizinhanças irá gerar outras desigualdades que podem ser piores do que as originais.

Thomas Sowell certa vez disse que "Tentativas de se equalizar os resultados econômicos geram desigualdades maiores e mais perigosas de poder político". Ou, como concluiu Milton Friedman, "Uma sociedade que coloca a igualdade à frente da liberdade terminará sem as duas. O uso da força para alcançar a igualdade irá destruir a liberdade, e a força, introduzida com bons propósitos, irá terminar nas mãos de pessoas que irão utilizá-la para promover seus próprios interesses".

Ademais, mesmo se todos nós, magicamente e subitamente, passássemos a ter a mesma riqueza, já no dia seguinte voltaríamos a ser desiguais, pois alguns iriam gastar seu dinheiro e outros iriam poupá-lo.

Em uma economia de mercado, rendas distintas sempre serão uma realidade. E tem de ser assim. Essa diferença de renda ocorrerá em decorrência de fenômenos tão distintos quanto incontroláveis, como talento nato, ambição, energia, disposição, saúde, sorte, percepção correta quanto às demandas do consumidor, parceria com as pessoas corretas etc. Sendo assim, a igualdade econômica só poderá ser tentada (mas nunca alcançada) por meio de monstruosas e contínuas agressões empreendidas por funcionários do governo. O resultado mais provável será uma igualdade de miséria (muito embora os membros da elite política serão mais iguais do que o resto do povo). Igualdade a um nível decente de prosperidade é algo que está muito além da capacidade do estado, como bem ilustram Cuba e Coréia do Norte.

Para produzir uma mínima quantidade de igualdade econômica, os governos teriam de expedir as seguintes ordens (e estar disposto a impingi-las com pelotões de fuzilamento e agentes carcerários): "Não se sobressaia, não trabalhe com mais afinco do que seu vizinho, não tenha boas e novas ideias, não corra nenhum risco, e não faça nada de diferente em relação ao que você já fez ontem".

Em outras palavras, não seja humano.

Pessoas obcecadas com igualdade econômica — ou, para empregar um termo mais clínico, com o igualitarismo — tendem a fazer coisas estranhas. Elas se tornam invejosas. Elas passam a cobiçar o que é dos outros. Elas dividem a sociedade em dois grupos: vilões e vítimas. Elas gastam mais tempo e energia tentando derrubar e destruir uma pessoa bem sucedida do que se esforçando para se aprimorar, para se tornar uma pessoa melhor e, com isso, subir na vida. São pessoas ressentidas e rancorosas, e não é nada divertido estar perto delas. Quando tais pessoas eventualmente conseguem chegar ao poder, os estragos que elas fazem podem ser irreversíveis. Elas não mais apenas chamam a polícia; elas passam a ser a polícia.

Se a desigualdade econômica é uma opressão, punir o esforço, o mérito e o sucesso não é uma cura. Medidas coercivas que visam à redistribuição de riqueza farão apenas com que os espertos e os politicamente bem-relacionados enviem sua riqueza para o exterior ao passo que os desafortunados terão de arcar com o fardo do inevitável declínio econômico. Uma medida muito mais produtiva seria reduzir o imenso e burocrático aparato governamental — que, com suas regulações que impedem a livre concorrência, com sua inflação que destrói o poder de compra, com suas tarifas de importação que proíbem a aquisição de produtos bons e baratos do exterior — faz com que os pobres se perpetuem nessa condição.

Por outro lado, é fato que há algumas formas de desigualdade econômica condenáveis. Por exemplo, a desigualdade produzida por um capitalismo mercantilista, no qual o estado — por meio de agências reguladoras, tarifas de importação e subsídios — protege os grandes empresários, certamente é indesejável. Por isso, é importante fazermos uma distinção entre empreendedores econômicos e empreendedores políticos. Os primeiros criam valor para a sociedade; ao passo que os últimos simplesmente descobriram como transferir recursos de terceiros para seus próprios bolsos.

Em vez de apenas confiscar a riqueza dos mercantilistas — uma medida inócua que manteria intacto todo o aparato de redistribuição dos pobres para os ricos —, muito mais sensato seria abolir todos os arranjos que permitem o corporativismo, o que levaria à imediata bancarrota desses mercantilistas. Curiosamente, os progressistas de hoje parecem não se importar muito com esse arranjo.

Quando fazemos essa distinção entre mercantilistas e genuínos empreendedores, é possível ver a diferença entre produtores e parasitas. A desigualdade oriunda do empreendedorismo honesto, longe de indicar que algo está errado, significa que há um progresso generalizado na economia. Em um sistema no qual todos melhoram sua situação por meio da atividade criativa e das trocas voluntárias, algumas pessoas inevitavelmente irão se tornar ricas. Trata-se de uma característica natural do sistema — um sistema que recompensa empreendedores e investidores por terem sido bons administradores do capital.

Obviamente, quando tais pessoas não se mostram bons administradores do capital, elas quebram. Em outras palavras, pessoas que fazem investimentos ruins ou que não servem bem aos consumidores não permanecerão ricas por muito tempo — a menos que o governo decida intervir para salvá-las.

A menos que ela tenha enriquecido contratando advogados e lobistas em vez de pesquisadores e criadores, uma pessoa rica enriqueceu porque criou bens e serviços valiosos para seus consumidores. Sendo assim, a ausência de pessoas muito ricas é um péssimo sinal uma economia, especialmente para os pobres. Tal ausência, com efeito, indicaria uma das duas coisas a seguir: ou muito pouca coisa de valor foi criada (dificilmente haveria coisas boas e gostosas, como iPhones e trufas) ou o governo incorreu em uma predatória política de redistribuição de renda, destruindo os incentivos para as pessoas serem criadoras de valor e boas gestoras de capital.

No que mais, vale a pena enfatizar que diferenças na propriedade de ativos não significam uma igual diferença no padrão de vida, muito embora várias pessoas tenham esse fetiche. Por exemplo, a riqueza de Bill Gates de ser 100.000 vezes maior do que a minha. Mas será que ele ingere 100.000 vezes mais calorias, proteínas, carboidratos e gordura saturada do que eu? Será que as refeições dele são 100.000 vezes mais saborosas que as minhas? Será que seus filhos são 100.000 vezes mais cultos que os meus? Será que ele pode viajar para a Europa ou para a Ásia 100.000 vezes mais rápido ou mais seguro? Será que ele pode viver 100.000 vezes mais do que eu?

O capitalismo que gerou essa desigualdade é o mesmo que hoje permite com que boa parte do mundo possa viver com uma qualidade de vida muito melhor que a dos reis de antigamente. Hoje vivemos em condições melhores do que praticamente qualquer pessoa do século XVIII.

Sempre que você vir ou ouvir uma pessoa parolando sobre desigualdade, faça a si mesmo a seguinte pergunta: será que ela está genuinamente preocupada com os pobres ou está apenas indignada com os ricos? Eis uma maneira de descobrir a diferença: sempre que alguém reclamar sobre a desigualdade de renda, pergunte a ela se aceitaria que os ricos ficassem ainda mais ricos se isso, no entanto, significasse condições de vida melhores para os mais pobres. Se a resposta for "não", então ela está admitindo que está importunada apenas com o que os ricos têm, e não com o que os pobres não têm. Já se a resposta for "sim", então a tal desigualdade de renda é irrelevante. Em outras palavras, a preocupação deveria ser com a pobreza absoluta, e não com a pobreza relativa.

Em quase todas as discussões sobre desigualdade de renda, há uma básica dinâmica emocional atuando. Uma pessoa descobre que possui menos do que a outra, e passa ter a inveja. Já outra descobre que tem mais do que o resto, e passa se sentir culpada. Inveja, culpa e indignação. São realmente essas emoções primitivas que deveriam conduzir as políticas públicas?

Toda essa ideia de igualdade econômica não representa nenhuma genuína forma de compaixão. Quando é somente uma ideia, é fraca. Quando se torna política pública, torna-se um desastre em larga escala.


O fato de que pessoas livres não são iguais em termos econômicos não deve ser lamentado. Ao contrário, é motivo de regozijo. A desigualdade econômica, quando oriunda da interação voluntária de indivíduos criativos, e não de conexões políticas, é um testemunho do fato de que as pessoas estão sendo elas mesmas, cada qual colocando seus talentos e aptidões ímpares para funcionar de maneiras que são gratificantes para elas próprias e que geram bens e serviços valiosos para terceiros. Como diriam os franceses em um contexto mais diferenciado, Vive la difference!

Fonte: Instituto Ludwig von Mises - Brasil ("IMB")

0 comentários:

Postar um comentário

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites