quarta-feira, 16 de abril de 2014

Deixa ela falar! Porque eu, libertária, defendo o direito de expressão da conservadora Sheherazade

A liberdade de expressão não pode ser limitada sem ser perdida
Acho que o Brasil possui duas fontes de atraso eterno: de um lado, o conservadorismo, sobretudo o religioso, e, de outro, o esquerdismo jurássico, socialista bolivariano que tem como norte a relíquia comunista de Cuba. Embora arqui-inimigos, socialistas bolivarianos e conservadores são, de fato, farinhas do mesmo saco autoritário em eterna disputa para ganhar ou manter o poder de nos enfiar seus dogmas goela abaixo. 

Para citar um exemplo de como, ironicamente, esses antípodas se parecem, lembro que são eles que alimentam o fla-flu esquerda x direita, apesar do anacronismo dessa divisão tomada de maneira estanque. Enquanto ambos alimentam esse fla-flu, contudo, acusam-se mutuamente de querer negar a dicotomia esquerda x direita como estratégia de diluir as diferenças políticas a fim de garantir sub-repticiamente uma hegemonia sem oposição. 

Outro exemplo: ambos protestam contra o proselitismo ideológico nas escolas e universidades, mas apenas contra o proselitismo de quem não é das respectivas turmas. Conservadores acusam os bolivarianos de fazer lavagem cerebral marxista na cabeça das crianças, jovens e adolescentes, mas não veem nada demais em se fazer proselitismo cristão via ensino religioso em escolas públicas. Denunciam o aparelhamento do Estado de parte do petismo, mas não emitem um pio contra o uso de dependências governamentais para a realização de cultos evangélicos por deputados-pastores.

E vice-versa. Esquerdistas, em geral, protestam contra o que chamam de tentativa de teocratização do Brasil, sobretudo em função das ações da execrável bancada evangélica no Congresso Nacional, mas também do ensino religioso em escolas e da postura antidemocrática dos evangélicos em relação a outras religiões (como as de matriz africana), mas não veem problema algum em querer que apenas sua visão de mundo circule do ensino básico às universidades. Nem se incomodam de aparelhar até festa de batizado de criança, como se diz popularmente, numa patrulha permanente para caçar vozes dissonantes.

Poderia citar vários outros exemplos de que, embora o conteúdo da missa seja diferente, a forma de rezar de conservas e bolivarianos é a mesma, mas fico por aqui, pois não é esse o objetivo deste texto. Mas digo que, se existe diferença significativa entre os bregas de esquerda e os jecas de direita, essa diferença circunstancial consiste em quem está no poder atualmente, seja no poder de Estado seja no poder cultural. E quem está no poder é o esquerdismo jurássico bolivariano bananeiro. Nele estando, não se faz de rogado em exercê-lo com sua costumeira falta de senso democrático, aproveitando-se da oportunidade para tentar calar a boca de quem o critica.

O último exemplo desse conhecido modus operandi da esquerda bolivariana se deu pela pressão para tirar do ar a comentarista e âncora do telejornal SBT Brasil Rachel Sheherazade  por suposto "incitamento à violência". Em um de seus polêmicos comentários, desta feita em razão do caso de um garoto negro que foi preso a um poste e espancado por justiceiros, a jornalista afirmou que era "compreensível que, dada à insuficiência de segurança pública, a população estivesse buscando fazer justiça com as próprias mãos". Dizer que determinada situação tem causas compreensíveis não se confunde com avalizar essa mesma situação. Dizer que são compreensíveis os elementos sociais, políticos e econômicos que levaram à ascensão do nazismo, na Alemanha da década de 30 do século passado, não significa de forma alguma justificar a nefasta ideologia de Hitler. 

No geral, Sheherazade usou termos inadequados em sua análise do caso, fez de fato um comentário infeliz, mas não incitou à violência coisa nenhuma. Por mais que discorde das bobagens conservadoras que diz a comentarista, não posso honestamente concordar com a pressão, feita pela patrulha esquerdista (PCdoB e PSOL, apoiadores dos regimes totalitários de Cuba e Coreia do Norte, resolveram recorrer inclusive ao Ministério Público contra Sheherazade), a fim de censurá-la e que acabou por surtir efeito, ao menos parcialmente. 

Na segunda-feira, dia 14/04, o SBT soltou a seguinte nota: 
Em razão do atual cenário criado recentemente em torno de nossa apresentadora Rachel Sheherazade, o SBT decidiu que os comentários em seus telejornais serão feitos unicamente pelo Jornalismo da emissora em forma de Editorial. Essa medida tem como objetivo preservar nossos apresentadores Rachel Sheherazade e Joseval Peixoto, que continuam no comando do SBT Brasil”.
Em outras palavras, censura mesmo. Sílvio Santos tem muitas dívidas com os governos Lula-Dilma, aos quais Sheherazade nunca poupou críticas (ver uma delas no vídeo abaixo), e resolveu pagá-las. Quem perde, mais do que a âncora, somos nós, população brasileira, que nos privamos de ouvir os acordes dissonantes de Sheherazade para poder inclusive contestá-los com veemência, sendo o caso, como  convém a quem é de fato democrata e amante da liberdade em todos os sentidos.

O colunista Pedro Doria, de O Globo, escreveu um artigo exemplar sobre o caso que transcrevo abaixo. Destaco dois trechos do texto.
Thomas Jefferson, cuja data de nascimento foi celebrada domingo, disse que “a liberdade de expressão não pode ser limitada sem ser perdida”. Os EUA, país que ajudou a fundar, têm a legislação mais incisiva na defesa da livre expressão. Não quer dizer que seja absoluta. Mas que, antes de punir o discurso, pesam se vale o risco. Porque, a não ser que os critérios para punir o discurso sejam extremamente rigorosos, fica fácil demais. E a censura se estabelece.
 Pode não parecer intuitivo, mas é só quando garantimos o livre discurso dos mais radicais em uma sociedade, à direita e à esquerda, que realmente expomos seus vícios. Só assim somos realmente livres.
A liberdade de expressão não pode ser limitada sem ser perdida. Não resta dúvida de que a nossa, com o cala-boca dado na comentarista do SBT, foi seriamente ferida. Lamentavelmente a consciência democrática no Brasil é baixíssima. Ou mudamos isso ou seremos eternamente um país preso numa noite tempestuosa de arbítrio, iluminado apenas, vez ou outra, pelo clarão de algum raio de liberdade.

Deixa Sheherazade falar
Só quando garantimos o livre discurso dos mais radicais em uma sociedade é que realmente expomos seus vícios

Em fevereiro, a comentarista e âncora do telejornal SBT Brasil Rachel Sheherazade se tornou uma das mais conhecidas personagens das redes sociais. “No país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes”, disse no ar, “a atitude dos vingadores é até compreensível.” Referia-se aos justiceiros cariocas que acorrentaram um adolescente de rua negro contra um poste, pelo pescoço, com uma tranca de bicicleta. Qual fora escravo. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) pediu investigação à Procuradoria Geral da República. O Sindicato de Jornalistas do Rio publicou nota de repúdio. No início de abril, quando Sheherazade saiu de férias, circulou pela imprensa o rumor de que havia sido afastada pela emissora por pressão do governo. Houve quem celebrasse. É um erro.

Sheherazade é um fenômeno da internet que provavelmente não ganharia tanto espaço noutros tempos. A baixa audiência de seu telejornal é compensada por inúmeras cópias de seus comentários, quase sempre inflamatórios, no YouTube. Muitos a defendem. Assim como muitos por ela sentem repugnância. A jornalista não faz concessões ao bom gosto: é uma radical. Mas liberdade de expressão jamais é testada pelos razoáveis, pelos moderados, pelos de bom gosto.

O principal argumento contra Sheherazade parece partir do bom senso: faz apologia ao crime. Parece bom senso. Não é. Apologia ao crime é dos argumentos mais perigosos que se pode levantar contra a opinião de alguém. Há quem defenda o livre fumo de maconha. É crime. O aborto tem defensores. Igualmente crime. Defende-se a ocupação de propriedade privada por quem precisa de moradia e não a tem. Crimes todos. As duas primeiras defesas não costumam incomodar quem é liberal ou de esquerda. A última raramente perturba a esquerda. Considerar alguns crimes defensáveis ou não tem a ver com ideologia, não com o que é razoável. Nossa ideologia, claro, sempre nos parece razoável. O inferno são os outros.

Há um excelente argumento para permitir que Sheherazade fale, por mais desagradáveis que possam ser suas opiniões. Ela representa um pedaço do Brasil. Basta passar os olhos pelas discussões na rede. Um bom naco dos brasileiros vai para além do conservadorismo: é reacionário. Talvez seja aquele quarto da população que, segundo o Ipea, considera que a roupa da mulher justifica o estupro. Seus representantes talvez sejam os que defendem abertamente os justiceiros ou fazem justiçamentos. Este é um pedaço do Brasil. Se calamos uma voz que “os compreende”, desligamos um alerta. Sem este alerta, desaparecem as vozes e os argumentos contra.

Thomas Jefferson, cuja data de nascimento foi celebrada domingo, disse que “a liberdade de expressão não pode ser limitada sem ser perdida”. Os EUA, país que ajudou a fundar, têm a legislação mais incisiva na defesa da livre expressão. Não quer dizer que seja absoluta. Mas que, antes de punir o discurso, pesam se vale o risco. Porque, a não ser que os critérios para punir o discurso sejam extremamente rigorosos, fica fácil demais. E a censura se estabelece.

Incitação ao crime é critério para punir a fala. Mas é preciso provar que um crime ocorreu causado por ela. Uma coisa é desejar a morte de alguém numa conversa de bar. Outra é clamar pela morte da pessoa, em frente a sua casa, perante uma turba em fúria. Não se pune a mensagem. Punem-se os efeitos concretos da mensagem.

Pode não parecer intuitivo, mas é só quando garantimos o livre discurso dos mais radicais em uma sociedade, à direita e à esquerda, que realmente expomos seus vícios. Só assim somos realmente livres. A internet é uma máquina de livre expressão. Que seja amplamente usada.

1 comentários:

Absolutamente perfeita essa sua analise...!!!

Postar um comentário

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites