domingo, 3 de novembro de 2013

A indigência do debate esquerda versus direita no Brasil

Minha xará, Miriam Leitão, pegou na veia com o artigo Miséria do Debate (reproduzo abaixo). Qualquer pessoa que tenha um pouco de bom senso, independente de sua coloração política, já percebeu a mediocridade do debate supostamente político no Brasil.

Claro, quem iniciou esse rebaixamento político foi o petismo, entre outras coisas por trazer dos escombros do Muro de Berlim, o papo Guerra Fria de "esquerda x direita" enquanto cinicamente se banqueteia nos jantares chiques com os empresários amigos do peito. Entretanto, como diz o ditado, se gentileza gera gentileza, fanatismo e hipocrisia também geram fanatismo e hipocrisia. Daí que não tardou muito para as contrapartes igualmente fanáticas e hipócritas de direita aparecerem a fim de alimentar esse cada vez mais insuportável fla-flu de bregas de esquerda versus jecas de direita onde a baixaria rola solta. Míriam os identifica apropriadamente:
Esses seres surgem na suposta esquerda, muito bem patrocinada pelos anúncios de estatais, ou na direita hidrófoba que ganha cada vez mais espaço nos grandes jornais.

Ela identifica também uma das características marcantes da citada direita que é o machismo: 
...uma amiga me enviou o texto de um desses articulistas que buscam a fama. Ele escreveu contra uma coluna em que eu comemorava o fato de que, um século depois de criado, o Fed terá uma mulher no comando. Além de exibir um constrangedor desconhecimento do pensamento econômico contemporâneo, ele escreveu uma grosseria: “O que importa o que a liderança do Fed tem entre as pernas?” Mostrou que nada tem na cabeça. 

Míriam não quis identificar o boi para não lhe dar a fama pela qual ele já vendeu a alma ao diabo faz tempo. Mas não vou seguir seus passos, pois acabei de salientar a honestidade do dito na postagem A "pedofilia" dos conservadores contra a veracidade dos fatos. Trata-se do novo colunista da VEJA, Rodrigo Constantino, o atual maior arrivista da paróquia, que até ontem posava de libertário-liberal. Ao perceber, porém, no besteirol obscurantista conservador, um filão de vendas, virou NEOCONstantino, e hoje vive de apontar a hipocrisia e a ganância da esquerda enquanto chafurda nas mesmas. 

Então, seguindo o credo energúmeno dos conservadores, o fulano só podia soltar mesmo esse pum sexista que a Míriam cita. Para esses ditos conservadores ou conservadores-liberais (um paradoxo), nós já vivemos num mundo igualitário o suficiente para não ser mais necessário se comemorar a chegada de uma mulher a uma posição de destaque. E depois é só a esquerda que delira.

Aliás, para eles, esse mundo de bosta que criaram é uma maravilha, daí todas as reivindicações dos movimentos sociais não terem qualquer validade. Não passam de estratégias do movimento revolucionário internacional (sic) para acabar com a civilização ocidental, cristã, a democracia, a família, blá-blá-blá. Pela simples observação da composição dessa turma, no entanto, dá para sacar de quem são os interesses que ela defende: trata-se de um clube do bolinha, branco, heterocêntrico e de classe média para cima. Em outras palavras, a maior parte da humanidade não tem participação na entidade e, diga-se de passagem, nem vale a pena requerer entrada.

Não concordo, claro, com tudo o que a xará diz. Sua visão sobre o PT é muito amena para o meu gosto. As políticas sociais do petismo são muito mais de fachada do que efetivas. Tem funcionado de fato como estratégia eleitoral - pois não se sustentam a médio prazo - com o real objetivo da manutenção de um poder que se quer eterno. Ao contrário dela, considero acertado o epíteto "petralha", criado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, porque o PT age sim como quadrilha, bem como o apelido “rottweiller” para o "vejeiro".

Não creio que o grande problema desse embate sejam tanto os apelidos que as torcidas organizadas coloradas e azuis lançam umas contra as outras. Isso até poderia ficar apenas no território do chiste não fosse acompanhado de um maniqueísmo reducionista atroz nas ideias em geral, onde literalmente, os lados opostos criticam uns nos outros os defeitos que são comuns a ambos. Cada vez mais, o fla-flu se configura apenas como a velha história do roto falando mal do rasgado.

E quem perde é o Brasil porque continua sem uma oposição razoável à hegemonia petista. Uma oposição ao PT não poderia ser como o PT, mudando só a cor da bandeira. Precisaria ser oposição firme mas consistente em suas posições, antenada com o mundo atual e suas bandeiras, que não se limitasse a fazer cruzada contra a esquerda e não buscasse oferecer, para os problemas do mundo, uma receitinha de privatização e livre mercado à guisa de panaceia universal. 

O mundo atual se tornou complexo demais para ser equacionado na base da receitinha. Enquanto, na Europa, até os liberais vêm se posicionando contra o atual capitalismo, por não considerá-lo compatível com as ideias liberais, no Brasil, age-se como se o único problema do atual sistema fosse o conluio fascistoide dos empresários com o Estado. A questão das grandes corporações, como também obstáculos ao livre mercado, raramente é abordada.

De fato, o que o país precisa é de forças de centro, menos dogmáticas, menos autoritárias, para pensar a sociedade brasileira com vistas à solução de seus problemas concretos. Quem transforma política em arquibancada de jogo de futebol, onde as torcidas organizadas estão mais preocupadas em se pegar do que ver e analisar o jogo, não está apto para tal.  


Miséria do debate

O Brasil não está ficando burro. Mas parece, pela indigência de certos debatedores que transformaram a ofensa e as agressões espetaculosas em argumentos. Por falta de argumentos. Esses seres surgem na suposta esquerda, muito bem patrocinada pelos anúncios de estatais, ou na direita hidrófoba que ganha cada vez mais espaço nos grandes jornais.

É tão falso achar que todo o mal está no PT quanto o pensamento que demoniza o PSDB. O PT tem defeitos que ficaram mais evidentes depois de dez anos de poder, mas adotou políticas sociais que ajudam o país a atenuar velhas perversidades.

O PSDB não é neoliberal, basta entender o que a expressão significa para concluir isso. A ele, o Brasil deve a estabilização e conquistas institucionais inegáveis. A privatização teve defeitos pontuais, mas, no geral, permitiu progressos consideráveis no país e é uma política vencedora, tanto que continuou sendo usada pelo governo petista.

O PT não se resume ao mensalão, ainda que as tramas de alguns de seus dirigentes tenham que ser punidas para haver alguma chance na luta contra a corrupção. Um dos grandes ganhos do governo do Partido dos Trabalhadores foi mirar no ataque à pobreza e à pobreza extrema.

Os epítetos “petralhas” e “privataria” se igualam na estupidez reducionista. São ofensas desqualificadoras que nada acrescentam ao debate. São maniqueísmos que não veem nuances e complexidades. São emburrecedores, mas rendem aos seus inventores a notoriedade que buscam. Ou algo bem mais sonante.

Tenho sido alvo dos dois lados e, em geral, eu os ignoro por dois motivos: o que dizem não é instigante o suficiente para merecer resposta e acho que jornalismo é aquilo que a gente faz para os leitores, ouvintes, telespectadores e não para o outro jornalista. Ou protojornalista. Desta vez, abrirei uma exceção, apenas para ilustrar nossa conversa.

Recentemente, Suzana Singer foi muito feliz ao definir como “rottweiller” um recém-contratado pela “Folha de S.Paulo” para escrever uma coluna semanal. A ombudsman usou essa expressão forte porque o jornalista em questão escolheu esse estilo. Ele já rosnou para mim várias vezes, depois se cansou, como fazem os que ladram atrás das caravanas. Certa vez, escreveu uma coluna em que concluía: “Desculpe-se com o senador, Miriam.” O senador ao qual eu devia um pedido de desculpas, na opinião dele, era Demóstenes Torres.

Não costumo ler indigências mentais, porque há sempre muita leitura relevante para escolher, mas outro dia uma amiga me enviou o texto de um desses articulistas que buscam a fama. Ele escreveu contra uma coluna em que eu comemorava o fato de que, um século depois de criado, o Fed terá uma mulher no comando. Além de exibir um constrangedor desconhecimento do pensamento econômico contemporâneo, ele escreveu uma grosseria: “O que importa o que a liderança do Fed tem entre as pernas?” Mostrou que nada tem na cabeça.

Não acho que sou importante a ponto de ser tema de artigos. Cito esses casos apenas para ilustrar o que me incomoda: o debate tem emburrecido no Brasil. Bom é quando os jornalistas divergem e ficam no campo das ideias: com dados, fatos e argumentos. Isso ajuda o leitor a pensar, escolher, refutar, acrescentar, formar seu próprio pensamento, que pode ser equidistante dos dois lados.

O que tem feito falta no Brasil é a contundência culta e a ironia fina. Uma boa polêmica sempre enriquece o debate. Mas pensamentos rasteiros, argumentos desqualificadores, ofensas pessoais, de nada servem. São lixo, mas muito rentável para quem o produz.

Fonte: Miriam Leitão.com, 03/11/2013

4 comentários:

Dois bons textos de duas míriams. Como diz, esse fla-flu anda insuportável mesmo. E quem não se identifica com nenhuma das torcidas apanha das duas...rsss

A Míriam Leitão é petralha enrustida por isso concordou em chamarem o Reinaldo de “rottweiller”. E você deve ser esquerdista tentando passar por "imparcial". Não me engana!

Poizé! Leu e não entendeu. O texto fala exatamente contra esse ridículo esquerdireitismo que anula o debate no Brasil. Leia de novo. Quem sabe entenda de uma segunda vez.

Não deu para ler tudo, parei quando começou a xingar os que pensam diferente. Se ao concluir um pensamento vc concordar com a Miriam Leitão esse é um sinal evidente de que é mais prudente pensar de novo. Esquerda e direita são eufemismos para razão e emoção e quem tem mais de 10 anos ou QI maior que 100 sabe que a maioria usa quase sempre a emoção

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