quarta-feira, 4 de abril de 2012

Interrupção da gravidez: uma escolha de Sofia e das Sofias

A interrupção voluntária da gravidez, ou aborto, é uma escolha de Sofia, ou seja, uma escolha para qual não há uma solução realmente satisfatória. Por isso, não poderia ser tratada nos termos absolutos em que os que se dizem "defensores da vida" a tratam. (Ver sinopse e cena do filme A Escolha de Sofia ao fim da postagem).

Para a pretensa “defesa da vida” poder ser tratada em termos absolutos, precisaríamos viver num mundo perfeito, com pessoas perfeitas (e não são os conservadores que proclamam a imperfectibilidade humana?). Pessoas que jamais esquecessem de tomar contraceptivos, que estes jamais falhassem, num mundo onde homens não estuprassem meninas, mulheres e até senhoras, inclusive dentro do lar amargo lar, onde a fatalidade nunca produzisse fetos com anomalias irreversíveis. Um mundo onde toda a população, com bom grau de educação formal e sexual, soubesse perfeitamente como controlar gravidezes indesejadas e tivesse um sistema de saúde em condições de prover métodos contraceptivos para todos. 

Obviamente, esse mundo não existe, mas os conservadores fingem que sim. Vi um deles, outro dia, dizendo que só engravida quem quer (sic) porque leu numa página do Ministério da Saúde que o governo distribui contraceptivos a granel. Entretanto esse mesmo conservador, no que diz respeito a outros tópicos sobre saúde pública, nunca se esquece de comentar o estado precário dos serviços dessa área em nosso país.

Mas retornando, então a questão do aborto só poderia ser tratada em termos de “o valor absoluto da vida humana” se vivêssemos num vácuo e não em uma sociedade onde sobretudo as mulheres ainda se veem às voltas com muitas adversidades apenas por serem mulheres. Como vivemos numa sociedade de situações complexas e não numa bolha divina, a abordagem sobre a interrupção da gravidez, portanto, deve ser relativa, e o direito de decidir por ela de quem vivencia esse dilema literalmente na própria carne.

O que impressiona na abordagem conservadora sobre esse tópico é a absoluta desconsideração da mulher como ser humano. Na perspectiva conservadora, a mulher é apenas uma incubadeira e, como tal, sem sentimentos ou vontade, cuja única função é manter o ambiente ideal para o cultivo do feto até seu nascimento. Como exemplos mais contundentes dessa visão, destacam-se a tentativa de até criar leis para dar auxílio financeiro a mulheres, para manterem gravidez oriunda de estupro (porque afinal o feto não tem culpa de ser resultado de uma violência) e a oposição à descriminação do aborto no caso de fetos anencéfalos (porque só Deus tem o direito de tirar a vida!!!). 

Aliás, o caso da oposição desses conservadores à interrupção da gravidez até em caso de fetos anencéfalos (que têm graus variados de danos encefálicos, ou, popularmente, que não têm cérebro) mostra claramente como essa história de “defesa da vida” é uma balela. Mesmo que uma mulher leve a termo a gravidez de um feto com esse grau de anomalia, a criatura nascida não sobreviverá por muito tempo e, em seu curto período de vida, será um vegetal e não uma vida humana. 

Confrontados com essa realidade, conservadores se saem com a história de que, se descriminado o aborto de fetos com anomalias, serão abertas as portas da eugenia, da eliminação dos menos capacitados. Além da enorme distância entre uma coisa e outra, observa-se aqui mais uma vez a perspectiva conservadora onde só o fruto interessa mas a árvore não deve ser levada em conta. Obviamente, qualquer ser humano minimamente sensível entende o que significa para uma mulher manter uma gravidez derivada de um estupro ou de um feto descerebrado. 

De qualquer forma, encontram-se mulheres que encampam as ideias conservadoras e só nos resta respeitá-las. Me nego até a analisar as razões de suas escolhas, embora não me faltem argumentos. Igualmente acho que só resta a elas e a eles, conservadores, respeitar quem não compactua com suas ideias e tem o direito de deliberar sobre o tema com base em outra visão de mundo. Outra visão de mundo onde sagrado é o direito de as mulheres (de qualquer ser humano) decidirem sobre seu próprio corpo, de decidirem responsavelmente se tem ou não condições psicológicas, físicas, financeiras de arcar com uma gravidez e suas futuras consequências (para dizer o mínimo, porque uma criança precisa ser amada e bem cuidada). Só escravos não têm direito a administrar seu patrimônio natural, ou seja, seu próprio corpo. Está mais do que na hora de se proclamar uma nova Abolição neste país, agora a do sexo feminino. 

Por fim, muitos conservadores fazem o que chamo de samba do conservador doido: misturam a luta pela descriminação do aborto com conspirações comunistas para acabar com a democracia, a família e a cristandade (sic). Claro, trata-se de uma “viagem”. O aborto já foi descriminado tempos atrás em vários países capitalistas, que eram e continuaram capitalistas, muitos dos quais de tradição cristã  (a exemplo dos católicos Espanha, Itália, Portugal), tradição que também continuou obviamente existindo após a descriminação do aborto bem como a família e a propriedade. Nos EUA, a descriminação foi resultante de campanha realizada por feministas liberais, obviamente não engajadas em instalar "comunismos" em seu país.

Abaixo reproduzo vídeo que mostra graficamente o que digo, pois marca cronologicamente as regiões do globo onde a descriminação do aborto foi ocorrendo através do tempo. Está um pouco defasado porque para em 2007, mas serve perfeitamente para exemplificar meu argumento. Espero que o Brasil logo figure em gráficos assim.


A Escolha de Sofia é um filme americano (1982), dirigido por Alan J. Pakula, com base no romance de mesmo nome (1979) do escritor William Styron. A história trata do dilema de Sofia, uma mãe polonesa, que presa num campo de concentração durante a Segunda Guerra, é forçada, por um soldado nazista, a escolher um de seus dois filhos para ser morto (veja a cena abaixo). Caso se recusasse a escolher um, ambos seriam mortos. Ela decide salvar o menino, numa escolha tão sem escolha que a marcará para o resto da vida. Meryl Streep, que interpreta a mãe polonesa na fita, ganhou o Oscar por sua interpretação nessa história pungente que questiona muito dos lugares comuns sobre o amor e o livre arbítrio. O filme foi e continua sendo tão marcante que seu título virou expressão empregada em situações onde, seja o que for que se decida, o resultado não será satisfatório. Relembre a cena citada no vídeo abaixo. Infelizmente só consegui essa versão em espanhol passível de ser incorporada. 

2 comentários:

Aborto não é um direito da mulher fazer com o corpo dela o que quiser, mas sim um crime abominável onde a mulher mata sem piedade alguém que não tem nenhuma chance de defesa. É assassinato!

Feto não é alguém. Feto só vira alguém quando consegue sobreviver fora do corpo da mulher. Ninguém nunca viu mulher dando de mamar para feto, feto no berço, no carrinho de bebê, né mesmo? Me poupe!

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