segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Tropa de Elite 2 e Rio de Janeiro: quando a realidade imita a ficção!

Fui ontem finalmente assistir Tropa de Elite 2, o mega sucesso do diretor José Padilha (10 milhões de espectadores), na esteira da primeira versão da história dos homens de preto do Batalhão de Operações Policiais Especiais, o BOPE.

De antemão, digo que prefiro o Tropa 1, mais dinâmico como filme de ação, mais empoderante ao contar a história de um grupo de policiais de formação especial e moral incorruptível. Neste Tropa 2, o BOPE aparece menos do que nas recentes batalhas travadas no Rio, contra os diferentes comandos de traficantes, desde o dia 21 de novembro. Ao contrário, os heróis do BOPE, apesar do aumento do efetivo,  são demitidos, desancados e até mortos, caso do capitão André Matias, um dos recrutas do primeiro filme.

O emblemático capitão Nascimento, agora tenente-coronel, é exonerado de seu comando no BOPE, após uma desastrada intervenção num motim do presídio Bangu 1, de alta segurança, exponenciada por um defensor de direitos humanos, chamado Diogo Fraga, e vai parar na Secretaria de Segurança do Rio, como subsecretário, onde acaba descobrindo a extensão das ações dos policiais corruptos, nas favelas cariocas, e sua ligação com os políticos locais, incluindo o governador.

No meio das descobertas de Nascimento sobre o que ele chama de “o sistema”, desenrolam-se seus dramas particulares, como a relação com a ex-mulher que casou logo com o tal Fraga e, sobretudo, com o filho Rafael que cresce tendo do pai uma visão distorcida, influenciado pelo padastro. Aliás, Fraga é o contraponto de Nascimento, um daqueles famosos ativistas de direitos humanos, que moldado pela esquerdiotia, encara os narcotraficantes como meros produtos do entorno de desigualdades sociais. Para Fraga, Nascimento é um “fascista”, por tratar os bandidos na base da porrada, embora os traficantes sejam tudo menos pobres vítimas que se rebelaram contra o mundo mal. Se pobreza redundasse inevitalmente em banditismo, as favelas só teriam meliantes, o que - como se sabe - não ocorre.

O ativista de direitos humanos, Diogo Fraga, aproveita-se do sensacionalismo com que a imprensa tratou a intervenção do BOPE no presídio Bangu 1, conflito que ele se oferecera para intermediar, a fim de capitalizar sua eleição a deputado. Como deputado, contudo, acaba participando das investigações sobre o papel das milícias nos morros cariocas e ajudando Nascimento a desbaratar um dos grupos de criminosos de farda bem como a colocar alguns políticos na cadeia.

Nascimento e o filho Rafael em Tropa de Elite 2
O filme é ultrarrealista e mais amargo que o primeiro, mas ambos são complementares. No primeiro Tropa, classificado como fascista por esquerdistas de plantão, o diretor José Padilha demonstrou que a questão do narcotráfico é complexa, envolvendo os narcotraficantes propriamente ditos, a polícia corrupta e também os consumidores, a classe média, que, alienada de seu papel no ciclo vicioso do problema, enquanto consome maconha e cocaína, faz passeatas pela paz, vestida de branco, e condena a polícia como repressora. O filme também mostrou que, apesar da brutalidade com que o BOPE trata os bandidos, estes nada têm de simples pobres coitados, e o regime de terror que estabelecem nos morros precisa ser mesmo debelado implacavelmente, entre outras coisas porque quem mais sofre com eles é a população.

No segundo Tropa, assim como o BOPE, os traficantes aparecem pouco em cena, cedendo lugar à milícia, igualmente brutal, que explora os favelados, obrigados a pagar por proteção contra a própria milícia que, quando contestada, espanca e mata. Fora isso, Tropa 2, mostra a ligação dessas milícias com os políticos locais, igualmente corruptos, com seus tentáculos criminosos estendidos até à Secretaria de Segurança Pública da cidade. Em comum, entre os dois filmes, a figura do BOPE, principalmente encarnada em Nascimento, como a polícia eficaz e incorruptível que detona bandidos dos morros, das milícias e da política, que a população elegeu como heroína.

Esquerdiotas viram nessa eleição uma regressão fascistóide, pela violência com a qual o BOPE e seu capitão/tenente-coronel tratavam e tratam a bandidagem, como já dito, mas apenas a miopia crônica lhes faz enxergar por esse viés. Não é a violência do BOPE e de Nascimento que os transformou em heróis brasileiros e sim o fato de eles serem honestos. Cada vez que Nascimento e seus companheiros espancam um bandido, um político, apesar da brutalidade, a alma dos brasileiros, sedentos de justiça, se sente lavada ainda que momentaneamente. Diante da violência da corrupção disseminada dos altos aos baixos estratos da sociedade brasileira, como uma metástase a destruir a fé e a esperança num país melhor, aparecer como gente incorruptível transforma qualquer um em herói.

Nas cenas finais de Tropa 2, o diretor José Padilha concentra seu olhar crítico sobre os políticos seja pelo desenrolar do depoimento de Nascimento na CPI da milícia seja pela imagem do Palácio do Planalto, em Brasília, que surge numa tomada aérea. Ironicamente, Padilha, agora à época das eleições, preferiu abster-se de tomar partido, colaborando para a continuidade do atual governo, um dos mais corruptos de que se tem notícia, o que nos leva a considerar que, como seu famoso personagem, Capitão Nascimento, o diretor também é vítima de conflitos e contradições.

Naturalmente, a semelhança do quadro descrito pelos filmes Tropa de Elite 1 e 2 com a situação real do Rio de Janeiro, particularmente da semana passada para cá, é impressionante, sobretudo pela presença do BOPE real entre as forças policiais que vêm tentando impor ordem na convulsionada “cidade maravilhosa”. Como nos dois filmes de Padilha, a responsabilidade pelo caos vivido pela cidade, particularmente pela população das favelas, pode ser atribuída à negligência dos governadores do Estado que, por décadas, nada fizeram para impedir o alastramento do tráfico por tantas comunidades (e há indícios de que essa leniência de fato se deve a relações de interesses escusos desses políticos com a bandidagem local), pela visão romântica que a esquerda criou dos bandidos, como pobres coitados frutos do contexto social desigual, espécie de Robin Hoods a serem tratados mais com compreensão do que com punição e da correspondente visão da polícia como meros agentes de repressão. Sem esquecer, é claro, dos consumidores de drogas, parte inalienável desse processo. Enquanto houver demanda, haverá oferta. E como as drogas não são legais (assunto dos mais polêmicos), quem vai continuar tratando do negócio são os traficantes ou a milícia, em parceria preferencialmente.

Soldados fincam bandeiras no Complexo do Alemão
Há que se estranhar também o fato desses atos de terrorismo terem sido deixados para depois das eleições. O avanço das tais Unidades Pacificadoras Policiais já tem algum tempo. Por que só agora então essa revolta? Se a intenção era protestar contra o avanço da polícia nos territórios do tráfico, a época das eleições teria sido bem mais propícia, embora complicasse a reeleição de Sérgio Cabral. Não se pode esquecer que o deputado Diogo Fraga, do filme, é inspirado no deputado Marcelo Freixo, que realmente comandou uma CPI das Milícias, responsável por ter processado Álvaro Lins, ex-chefe de Polícia Civil e ex-deputado estadual, e o ex-governador e ex-secretário de Segurança Pública Anthony Garotinho, além de ter levado quase 300 pessoas para a cadeia. Embora Sérgio Cabral não seja Garotinho, ficou famosa sua participação em palanque da comunidade 1 de abril (sic) ao lado do vereador Jerominho e do deputado estadual Natalino, acusados de serem os comandantes da milícia Liga da Justiça. Sérgio Cabral também é do "sistema"?

No momento, os policiais e militares envolvidos no combate aos narcotraficantes fincaram a bandeira brasileira no Complexo do Alemão, um dos redutos da bandidagem, como símbolo de tomada de território. Entretanto, poucas prisões de bandidos e apreensões de armas foram feitas, ainda que uma quantidade impressionante de drogas tenha sido recolhida. Promete-se o estabelecimento de mais uma unidade pacificadora no local, mas a maioria dos analistas teme pelo resultado dessa estratégia, caso não venha acompanhada da prisão de mais traficantes, da apreensão de mais armas e da extirpação do poderio criminoso, de seus meios de comunicação, com, por exemplo, regras mais restritivas nos presídios em que vários dos chefões se encontram trancafiados.

Igualmente sem o estabelecimento de uma polícia não-corrupta nos locais do tráfico, ou seja sem um combate às milícias, sem um combate também aos políticos corruptos que se aliam aos milicianos e até mesmo aos narcotraficantes, essa batalha pode ter sido ganha, mas logo retornará a guerra, com a realidade carioca voltando a imitar a ficção, sem aqueles momentos de justiça trazidos à cena pelo Capitão Nascimento, magistralmente interpretado por Wagner Moura.

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