sábado, 10 de julho de 2010

O goleiro Bruno e a candidata de programa!

Duas histórias provocaram polêmica na semana passada. Aparentemente distintas, vejo coisas em comum entre ambas.

A primeira, o escabroso caso do assassinato de Eliza Samudi, amante do goleiro Bruno, do Flamengo, sequestrada, espancada, estrangulada e, por fim, esquartejada, com as partes do corpo jogadas a cães e os ossos enterrados sabe-se lá onde.

A moça, do time das Marias de Chuteiras (moças que vivem às voltas com jogadores de futebol), como amplamente divulgado pela imprensa, transou com o tal Bruno, tendo ficado grávida dele. A partir da gravidez, passou a cobrar de Bruno o reconhecimento da paternidade da criança e correspondente pensão, naquela velha história do toma que o filho é teu.

Golpe dos mais antigos, dado por mulheres a fim de arrumar marido ou pensão, a exigência de Eliza para que Bruno reconhecesse a paternidade da criança nunca foi aceita pelo goleiro que, do tipo machista e violento, logo de início foi lhe metendo umas porradas e exigindo que tomasse abortivos. Eliza deu inclusive queixa numa delegacia da mulher contra as agressões sofridas.

Mas o fato é que a criança nasceu, em fevereiro, levou o nome do pai, e Eliza continuou em sua saga pelo reconhecimento da paternidade do menino, conseguindo que a Justiça obrigasse Bruno a fazer exame de DNA. Agora, não dá para entender porque, na primeira semana de junho, apesar de já ter passado por uma agressão razoável, a moça aceitou ir ter com o goleiro e amigos dele no sítio do atleta, chamado Sítio das Esmeraldas, em Minas Gerais. O desconfiômetro da moça estava desligado que nem cogitou o perigo que corria. Os próximos capítulos desse triste conto prometem ainda muitas cenas de terror.

De qualquer forma, o que impressiona é o fato de um caso que poderia ter sido resolvido na Justiça e, sendo comprovada a paternidade da criança, ter levado a uma pensão para o menino, ter chegado ao que chegou. Afinal o goleiro não é nenhum pobretão. Obviamente, o machismo do jogador mais alguns possíveis traços de psicopatia determinaram o triste fim dessa história.

Basta lembrar que, antes de surgirem evidências mais contundentes que o levaram à prisão, Bruno já havia argumentado, em sua defesa, que Eliza era uma “rodada”, que já tinha dormido com todo o time do São Paulo e feito um filme pornô. Em outras palavras, o filho podia ser de qualquer um, e Eliza era uma vadia cuja palavra consequentemente não valia nada.

Daqui partimos para a outra história que rolou pela Web. O cartunista Nani, no dia 6 agora, fez uma charge (ver imagem ao lado) onde aparece uma prostituta encostada numa parede, rodando a bolsa e dizendo: “o programa quem faz são os fregueses: PMDB, barba, cabelo e bigode; PDT, papai e mamãe e vai por aí...” Nani se referia ao programa de governo da candidata Dilma Roussef que, na segunda, dia 05/06, apresentou primeiro uma versão do documento, ao TSE, cheia de propostas autoritárias, depois apresentou outra versão e, por fim, apresentou as duas, ainda afirmando que haveria uma terceira.

Quando a primeira versão, baseada no programa do PT, chegou ao conhecimento público e do PMDB, partido aliado do governo, houve muita polêmica pelo caráter radical do texto. Após a chiadeira geral, Dilma se saiu com uma história de que o primeiro programa fora apresentado por engano, mesmo ela tendo rubricado e assinado o documento, que era uma coisa do PT, e ela não está de acordo com tudo que diz o PT, e que, por último, a segunda versão era a da coalizão que dá sustentação à sua canditadura.

O cartunista Nani partiu da palavra programa para se remeter à caricatura de uma prostituta, pois prostitutas fazem programa, que se vende a quem paga mais, apontando para o fato de Dilma ter mudado seu programa de governo por pressão do PMDB, PDT, etc...

Incrível ter lido mais comentários irados a respeito dessa charge do que a propósito do assassinato da Eliza Samudi. O que teve de gente acusando o cartunista de falta de respeito com as mulheres, por ter associado à imagem sugerida da candidata petista a uma prostituta, não foi brincadeira. Inclusive o presidente do PT, José Eduardo Dutra, escreveu no blog do Josias de Souza, que reproduziu a charge, o seguinte comentário:
Lamentável a reprodução no blog de Josias de Souza de charge grosseira e ofensiva. Não condiz com a reputação de seriedade do jornalista e está muito abaixo do nível que se espera de sua cobertura das eleições”.
Na página do cartunista, também choveu uma tempestade de comentários irados dada à suposta grande ofensa feita às mulheres pela charge onde se relaciona as idas e vindas do programa da candidata Dilma à imagem de uma prostituta dizendo que o programa quem define é o cliente.

Como disse no início da postagem, vi um pano de fundo comum a essas duas histórias aparentemente distintas. Percebi o quanto a sociedade brasileira continua moralista, hipócrita e machista. Percebi o quanto o valor das mulheres ainda está relacionado ao número de vezes em que abrem as pernas, ficam de joelhos ou de quatro. Sei que me entendem.

O goleiro Bruno procurou desqualificar a cobrança de Eliza quanto à paternidade do filho pelo fato de ela ter feito sexo com muitos homens e participado de um filme pornô. Se ela estava cobrando dele a paternidade é porque devia ter boas razões para acreditar que o filho não fosse de outro, não?

Os comentaristas que ficaram tão ofendidos, por ver relacionada à imagem de Dilma a uma prostituta, têm das prostitutas uma péssima visão, embora muitos hipocritamente  denominem as prostitutas de profissionais como outras quaisquer e inclusive as chamem de trabalhadoras do sexo, no jargão politicamente correto.

A verdade é que o jogador Bruno ficou profundamente revoltado porque uma mulher, que ele via como puta, portanto, não respeitável, tivesse o desplante de lhe cobrar alguma coisa, em particular o reconhecimento da paternidade de seu filho. Tão pouco respeitável seria Eliza, por seu histórico sexual, que poderia ser despachada desta para a melhor que ninguém sequer se daria ao trabalho de investigar, tamanha sua irrelevância. À parte os possíveis traços de psicopatia do sujeito, creditados à frieza com que planejou e executou o crime, o fato é que o número de homens que continua matando mulheres, por conta da visão que tem delas, permanece alto.

A verdade também é que os críticos da charge do Nani consideram simplesmente sugerir que uma mulher seja uma puta uma ofensa inominável porque putas têm como atividade fazer sexo com muitos homens (às vezes também com mulheres) e cobrar por isso. E isso não merece respeito.

Entretanto, de fato, ofensiva e mesmo obscena é essa maneira de pensar. Eliza pode ter sido oportunista, mas a lei faculta às mulheres pedir reconhecimento da paternidade dos filhos e requerer pensão para eles, e nada justifica a violência que sofreu, a morte precedida de tortura. E a charge do Nani só pode ser ofensiva para quem é muito moralista e hipócrita, sobretudo se for do PT, o partido das grandes imoralidades. De fato, ofensivo é associar a imagem das prostitutas, que não tem a vida nada fácil, que têm que trabalhar muito duro para sobreviver, a uma mulher que vendeu não o corpo mas sim a alma por um projeto de poder dos mais obscenos.

Nota: No site do Nani, vale também ver outra página, onde o cartunista mostra que, quando fez charges de outros políticos, inclusive utilizando a imagem de prostitutas, nunca houve tanta "polêmica" nem presidentes de partidos vieram dando lição de moral que eles próprios não têm.

8 comentários:

Parabéns pelo texto. Muito desrespeitoso com as prostitutas mesmo. Elas não mereciam a comparação com Dilma. Saudacoes!

Só me resta levantar as mãos e aplaudir o seu maravilhoso texto. Ainda temos muito o que progredir no que diz respeito ao direito das mulheres e muitos associam o Brasil tenho uma presidente, como um grande passo para tais conquistas. Acho simpático uma mulher na presidencia, mas uma mulher com personalidade, com pulso firme e que acima de tudo tenha história.

Concordo com sua opinião, mas ficou uma questão em aberto. Tomo a liberdade de tomar outro rumo no assunto para tratar dela, e se te choca falar da vítima deste crime, imagine outra mulher de índole semelhante, como a Luciana Gimenez que deu o golpe no Mick Jagger (e virou celebridade por isso).

O que a oportunista (nas suas palavras) Eliza fez - o golpe da gravidez - é moralmente correto? Em minha opinião: não.

Se não é moralmente correto, por que é legalmente correto? Aliás, por que ela é amparada pela lei para fazer algo moralmente incorreto?

Se não é moralmente correto, cabe uma penalidade? Se sim, qual seria uma penalidade adequada para este golpe, fora a retirada dos direitos de pensão?

Me xingue por tratar disso. Talvez meu ponto de vista pareça cruel ou míope. Mas o fato é que nesta "Nova Ordem Mundial" classes que não são parte das "minorias marginalizadas" também podem ser vítimas. E enquanto o assunto que os vitima for tratado com toda essa indiferença (indiferença sim pois você nem se dignou a discorrer sobre os méritos do golpe -- os homens o merecem?), haverá atritos. Nunca defenderia uma "defesa" que passasse pelo assassinato de uma pessoa, muito menos um assassinato premeditado, mas eu mantenho a opinião que a lei tem que mudar para não permitir o golpe.

Sobre a parte política do seu post devo dizer que achei bem colocada a sua crítica. Por muitos motivos não votarei na Dilma.

Muito, me refiro ao texto. Sobre o caso do goleiro Bruno é pura burrice o que ele fez. Se já estava registrado o filho como sendo dele e ele tinha que pagar a pensão, que pagasse. Não tinha mais o que fazer. Mas, o que ele fez é para lamentar.
Por falar em lamentar, o nossos políticos (parlamentares ou para lamentarmos)já não nos supreende, sempre querem encontrar, e quase sempre encontram, uma forma de se dá bem. Nós precisamos ficarmos de olho em nossos políticos.


Parabéns Míriam Martinho.

A mulher náo faz o filho sozinha.Parece até que faz.
Infelizmente estamos vendo que a maioria dos homens brasileiros ainda pensam que a responsabilidade de ter um filho é somente da mulher.Para lembrar um homem quando, coitado é vitima de um golpe da barriga como alguns disseram,náo usaram preservativo. Acho que esse detalhe as pessoas nao lembram. Náo é verdade?
Coitadinhos náo sabem ainda disso...

Acho que ver na história o "golpe da barriga" pressupõe inocência e ingenuidade do Bruno e mais uma vez coloca a mulher como vilã. Um homem adulto, casado, sabe muito bem que transar sem camisinha gera uma criança.

Quanto à charge, sou totalmente favorável ao humor sem qualquer tipo de censura. Sou cartunista, creio que o humor é a crítica mais eficiente que uma sociedade pode ter.

O texto é bem escrito, mas parece que não entendi... A tal Eliza não pode ser culpada pelo que houve! Ela pode ter errado, pode ter sido ingênua, mas não há como justificar os fatos... O tal Bruno e seus comparsas poderiam ter parado com o show de horrores a qualquer momento e não o fizeram. Não podemos justificar uma loucura com outra.

Quanto à charge, creio que ela foi mesmo machista. Se o PT tivesse lançado um candidato homem, jamais estariam comparando o caso com prostituição, apesar da prostituição masculina existir. Nenhum homem é chamado de puto quando querem ofendê-lo. Triste isso.

Ka de SP,

de fato não entendeu o texto. Não culpo a Eliza pelo que lhe aconteceu, embora ela tenha feito escolhas erradas (principalmente a de ir ao encontro do Bruno sozinha)que a tornam cúmplice do próprio infortúnio.

Agora, quanto à charge, o Nani fez charges com homens no papel de putas, e ninguém chiou. Além disso, importante refletir porque ser associada a uma puta continua sendo tão ofensivo. É o eixo do texto.

Por fim, comentando outros comentários, a lei faculta à mulher cobrar a paternidade de seus filhos e pedir pensão porque, independente de se a criança foi fruto de oportunismo ou amor, o que importa é que foram duas as pessoas que a produziram, portanto, não tem sentido que só uma arque com os custos de sua criação. Questão de responsabilidade.

E se a mulher é puta ou santa, no caso, não faz qualquer diferença quanto à sua solicitação, comprovado quem é o pai da criança.

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